Conspirações
Pesquisador descobre que a fosfoamina cura câncer! Será?
Uma descoberta feita por um químico aposentado promete curar o câncer com o uso de uma substância simples de ser produzida! Será verdade isso?
No dia 26 de agosto de 2015, uma reportagem mostrou que o químico Dr. Gilberto Orivaldo Chierice acredita ter descoberto a cura para o câncer com uso de Fosfoetanolamina sintética (fosfoamina) e que essa substância só não está à venda por causa da burocracia do país causada pela ANVISA.
Será que isso é verdade? Finalmente foi descoberta a cura para o câncer?
Verdadeiro ou falso?
O Dr. Gilberto Chierice é um químico aposentado que tenta há anos fazer com que as suas pesquisas sejam transformadas em um medicamento para a cura do câncer. Seu currículo mostra que ele é mestre e doutor pela USP, o que lhe dá confere uma certa credibilidade em seus estudos. No entanto, na entrevista que ele deu para o G1 podemos perceber que Gilberto apenas acredita que encontrou a cura para o câncer, o que é muito diferente de provar que descobriu a cura!
Conforme mostrou o professor (e também químico) André Carvalho, do Ceticismo.net, a entrevista do pesquisador é repleta de “eu acho”, “eu creio”, “eu acredito”. Sabemos que na Ciência não há espaço para achismos e, principalmente em se tratando de saúde, é preciso provas concretas de que algo assim realmente funcione para que possa ser vendido para a população.
A pesquisa do doutor Gilberto Chierice chegou a ter publicações científicas, mas as conclusões dos artigos não são nada promissoras. Na revista Anticancer Research, por exemplo, o artigo publicado foi “Anticancer effects of synthetic phosphoethanolamine on Ehrlich ascites tumor: an experimental study” (Efeitos anticancerígenos da fosfoetanolamina sintética no tumor ascítico de Ehrlich: um estudo experimental) e a a conclusão do trabalho foi apenas esse:
“Este estudo sugere que a fosfoetanolamina sintética é um potencial remédio anticâncer”
Ou seja, uma conclusão nada conclusiva e é preciso termos cuidado com isso!
Só porque um artigo foi publicado em uma revista científica não significa que ele foi aprovado e que o seu conteúdo é válido. O legal da Ciência é que tudo o que é afirmado deve ser provado para ser aceito.
O oncologista Felipe Ades explica em seu site as razões pelas quais a fosfoamina não pode ser considerada um medicamento para a cura do câncer. Segundo o doutor Ades, a fosfoetanolamina só foi estudada em laboratório e nunca houve estudos em pacientes com câncer.
O gráfico abaixo mostra as fases pelas quais a substância deve passar até se tornar um medicamento que possa ser vendido no balcão das farmácias (o que demora anos). A fosfoetanolamina não passou da primeira fase, ficando apenas na pesquisa de laboratório:
Afirmar que uma substância matou células cancerígenas em laboratório é muito diferente de se provar que isso funcione também dentro do organismo. As diversas fases de testes são justamente para determinar se o medicamento é mais tóxico ou menos tóxico do que a própria doença.
Um bom exemplo disso é a água sanitária, que no laboratório mata todas as células com câncer, mas se for injetado na veia do paciente mata o coitado na hora!
Aqui nesse link você pode ver mais detalhes sobre as fases de pesquisa para a produção de remédios.
Não existe “o” câncer
Conforme podemos verificar em diversas publicações na web, não existe apenas um tipo de câncer e, por isso é quase impossível que seja desenvolvido apenas um único remédio para todos os tumores!
O pesquisador da fosfoamina afirma que muitas pessoas foram curadas por esse “remédio”, mas não há nenhum estudo feito a respeito. Não se sabe (nem mesmo ele, que pesquisou, sabe) quantas pessoas foram curadas (e quantas não se curaram) ou quantas até morreram por deixar de lado o tratamento convencional para se tratar apenas com esse comprimido. Como o próprio G1 mostrou aqui nessa outra reportagem, nem todas as pessoas “tratadas” com esse “remédio” notaram melhora na saúde e algumas até pioraram.
A máfia da indústria farmacêutica
Muitas publicações sugerem que o químico que pesquisou o uso da fosfoamina no combate ao câncer só não conseguiu a autorização para produzir o remédio por causa da tal máfia das indústrias farmacêuticas, que estaria boicotando o doutor para continuar lucrando com tratamentos do câncer (ao invés de curar a doença de vez). Mas cabe um esclarecimento aqui:
De acordo com o Instituto nacional do Câncer, foram registrados 14 milhões de novos casos de câncer no mundo em 2012 e estima-se que até até 2030 haverá mais de 21 milhões de pacientes com câncer no mundo.
Imagina um mercado desse tamanho para a indústria farmaceutica!
Supondo que uma caixa de comprimidos com a cura para o câncer fosse vendida por R$ 500 cada e que apenas 40% desses pacientes pudessem comprar, a “famigerada máfia da indústria do remédio” lucraria cerca de 2,8 bilhões de reais por ano!!!
Acreditem, eles lucrariam muito (mas muito mesmo) mais com a cura do câncer. Afinal, todo ano são milhões de novos pacientes!
Além disso, a empresa que tiver a patente da cura do câncer terá sua marca reconhecida mundialmente e, por consequência, suas ações irão disparar, aumentando em muito os dividendos entre seus acionistas. Os ganhos iriam ser inestimáveis!
Atualização 02/09/2015
No dia 1º de setembro de 2015, a Fundação Oswaldo Cruz fez uma publicação no site da instituição explicando que o medicamento feito a partir da substância química fosfoetanolamina, apresentado como uma alternativa terapêutica para diversos tipos de neoplasias (câncer) por cientistas do Instituto de Química da Universidade de São Carlos (USP), ainda necessita de uma série de estudos para ser considerado eficaz ou seguro para o uso clínico.
A Fiocruz também esclareceu que, em novembro de 2013, a Vice-presidência de Produção e Inovação em Saúde da Fundação realizou uma reunião com a equipe da USP para conhecer o projeto de desenvolvimento do medicamento, mas o grupo manifestou a intenção de identificar um laboratório para a produção, em escala industrial, das cápsulas contendo o sal de etanolamina, que já teria sido utilizada em pacientes com diversos tipos de neoplasias e teria apresentado resultados bons resultados.
Ainda, sobre a patente da substância, a Fiocruz destacou que não realizou o pedido da mesma aos pesquisadores da USP e que esse não é o procedimento administrativo necessário para a realização dos estudos em questão.
O texto completo pode ser lido aqui!
Fim da atualização 02/09/2015
Atualização 14/10/2015
No dia 13 de outubro de 2015 a Universidade de São Paulo (USP) emitiu uma nota de esclarecimento a respeito dessa polêmica envolvendo o nome da instituição. Com o título de “Fosfoetanolamina não é remédio”, a entidade explica que, por liminares judiciais, a Universidade foi obrigada a fornecer o produto para os que a solicitam, mas:
“Essa substância não é remédio. Ela foi estudada na USP como um produto químico e não existe demonstração cabal de que tenha ação efetiva contra a doença: a USP não desenvolveu estudos sobre a ação do produto nos seres vivos, muito menos estudos clínicos controlados em humanos. Não há registro e autorização de uso dessa substância pela Anvisa e, portanto, ela não pode ser classificada como medicamento, tanto que não tem bula.”
A USP afirma ainda que compreende a angústia de pacientes e familiares acometidos de doenças graves, mas que o uso de “fórmulas mágicas, poções milagrosas ou abordagens inertes” podem ser ainda mais prejudiciais ao interessado!
Alem disso, adverte a universidade, os pacientes e seus familiares aflitos se convertem em alvo fácil de exploradores oportunistas.
O IQSC também se pronunciou
O Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da Universidade de São Paulo (USP) também veio a público para esclarecer que a substância fosfoetanolamina foi estudada de forma independente pelo Prof. Dr. Gilberto Orivaldo Chierice, que já foi ao Grupo de Química Analítica e Tecnologia de Polímeros e, atualmente está aposentado.
O IQSC explicou também que não dispõe de dados sobre a eficácia da fosfoetanolamina no tratamento dos diferentes tipos de câncer em seres humanos e que está produzindo e fornecendo a fosfoetanolamina em exclusivamente para atender a demandas judiciais individuais, mas que a substância não acompanha bula ou informações sobre eventuais contraindicações e efeitos colaterais.
Fim da atualização de 14/10/2015
Atualização de 03/11/2015
De acordo com matéria publicada no dia 02/11/2015, no site do Jornal O Globo, o Ministério da Saúde comunicou a criação de um grupo de trabalho para estudar a eficácia do uso dessa molécula. Seis grupos de pesquisa do país na área de fármacos e medicamentos irão se aprofundar ons estudos da fosfoetanolamina como remédio auxiliar no combate à doença. O governo não forneceu um prazo para o término dos estudos!
Fim da atualização de 03/11/2015
Conclusão
É preciso muito cuidado em relação a todas as promessas de curas para doenças graves com substâncias simples. Houve mesmo uma série de testes envolvendo o uso de fosfoamina no combate das células cancerígenas, mas o estudo foi feito apenas em laboratório (in vitro) e nunca passou para a fase de testes em animais e/ou em humanos.
Correção: Conforme foi bem observado por diversos leitores atentos, a pesquisa com a fosfoetanolamina foi testada em camundongos para um tipo específico de câncer, como podemos ver nessa pesquisa feita pelo doutor em Microbiologia Átila Iamarino: