O comercial “Nossa Chama” do Banco Santander possui mensagens satânicas?
Será realmente verdade, que o nome e o logo do Banco Santander possuem referências satânicas, ou seja, que o banco estaria fazendo uma espécie de apologia a Satanás através de uma mensagem subliminar em seu mais recente comercial chamado “Nossa Chama”? Bem, é isso que alguns teóricos da conspiração, de maneira esporádica e aleatória, vêm tentando alegar ao longo dos anos.
Apesar dessa tentativa de conexão ser um tanto quanto antiga, pelo menos desde 2012/2013, as teorias conspiratórias sobre o banco se intensificaram após toda aquela confusão gerada pela exposição “Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira“, em setembro de 2017. Alguém lembra disso? Contudo, será mesmo que os teóricos da conspiração têm alguma razão? Descubra agora, aqui, no E-Farsas!
A Recente Alegação de Satanismo no Comercial “Nossa Chama” do Santander
No dia 11 de fevereiro de 2019, um determinado canal do YouTube publicou um vídeo (http://archive.is/Zs81i) alegando, que um comercial brasileiro do Banco Santander era satânico, alcançando mais de 70 mil visualizações. Eis o referido comercial, que foi publicado na conta do próprio banco, no YouTube, alguns dias antes, no dia 30 de janeiro de 2019:
O vídeo apresentando as supostas evidências de satanismo por parte do banco é bem longo e repetitivo, então faremos apenas um resumo bem básico do que foi abordado. Em relação ao nome do banco foi mencionado, por exemplo, que “Santan” faria a pessoa rapidamente lembrar de “Satã” ou “Satanás”, e o “der” seria “there” (mencionado como “lá” em inglês), ou seja, isso formaria uma espécie de frase chamada “Satã Está Lá”. Em seguida, é citada a chama, o logo do banco, que na visão do Catolicismo Romano seria o inferno.
Assim sendo, na visão do responsável por tais alegações, o comercial mostraria de forma subliminar ou descarada, o que essa chama realmente quer dizer. São citados diversos versículos bíblicos com referência a Lúcifer, e que tais passagens norteariam as cabeças das pessoas para entenderem o comercial. Portanto, a mensagem alegadamente verdadeira é que o mundo físico jaz no maligno. Em seguida, é mencionado que a chama do logo seria a “chama de Santander”, a “chama de Satanás que está lá” ou próprio espírito de Satanás. Então, “evoluindo” nesse pensamento, é mencionado que, “sem Satanás não se faz nada”.
Enfim, vamos ao que realmente interessa para ver se o comercial faz apologia a Satanás ou se o próprio Banco Santander é o espírito de Satanás.
Verdade ou Mentira? A Origem do Nome Santander
As alegações são totalmente falsas e infundadas, visto que o nome e o logo do Banco Santander não fazem apologia a Satanás. Não faz muito tempo, que publicamos uma postagem falando, que os teóricos da conspiração não se importam nem um pouco com a Arqueologia, a Antropologia, a Matemática, com fatos verdadeiramente históricos, e nem mesmo com aqueles que acessam o conteúdo fornecido por eles. Aliás, eles não possuem o menor pudor de pegar uma informação, distorcê-la, e inventar novas situações para que tudo encaixe quase perfeitamente nas narrativas propostas por eles. Provavelmente, isso irá ficar ainda mais evidente ao longo deste texto.
A história do Banco Santander começou em 15 de maio de 1857, quando a Rainha Isabel II assinou o Real Decreto, que autorizou a constituição do “Banco de Santander”. E sabem onde ele foi fundado? Na cidade costeira de Santander, situada no norte da Espanha. Desde as suas origens, ele é um banco aberto ao exterior, inicialmente ligado ao comércio entre o porto de Santander e a Ibero América. Resumindo? A origem de seu nome é devido a cidade, onde o banco foi fundado. Isso não é mencionado pelos teóricos da conspiração, porque seria necessário a existência de uma “Nova Ordem Mundial”, em 1857, um período em que a Europa estava respirando os benefícios e malefícios da Revolução Industrial.
A cidade de Santander, por sua vez, também não é uma cidade satânica. É a capital e a cidade mais populosa da comunidade autônoma de Cantábria e possui cerca de 175 mil habitantes (segundo uma estimativa de 2014). Em seu brasão é possível ver os rostos de São Emetério e São Celedônio. Eles eram possivelmente irmãos, que se tornaram mártires após terem sido decapitados na cidade de Calahorra, durante a perseguição do imperador romano Diocleciano, no século III d.C., após serem presos e confrontados com a escolha de renunciar à fé católica que possuíam ou abandonar a carreira militar.
Segundo a lenda, as cabeças foram transportadas em um barco de pedra para proteger as relíquias do avanço muçulmano, e finalmente, cruzou a Ilha de la Horadada, na Baía de Santander. Enfim, não se sabe muito bem da vida de ambos, e acredita-se que tenham sido mortos no dia 3 de março de 298.
Agora, vejam só que interessante. De acordo com um artigo da Wikipédia sobre a cidade de Santander, em espanhol, filólogos (aqueles que estudam cientificamente o desenvolvimento de uma língua ou de famílias de línguas, em especial a pesquisa de sua história morfológica e fonológica baseada em documentos escritos e na crítica dos textos redigidos nessas línguas) consideram que o nome atual da cidade de Santander vem do nome de Portus Emeterii Sanctorum et Celedonii, San Emeterio pela seguinte ordem evolutiva: Sancti Emetherii > Sancti Emderii > Sanct Endere > San Andero > Santendere > Santanderio > Santander. Essa uma sequência geralmente aceita, embora os saltos fonéticos propostos não sejam muito claros e tenham sido questionados ao longo do tempo.
É mencionado que em muitos dos mapas e documentos do século XIII são feitas referências a Santander como sendo San Andres, San André, Sant Ander e Sant Andero, ou seja, a cidade de Santander já foi citada como se fosse chamada de Santo André, padroeiro dos injustiçados, e que foi um dos apóstolos de Jesus Cristo, juntamente ao seu irmão Pedro (seria necessário uma busca muito aprofundada para encontrar tais mapas).
Portanto, conforme dissemos anteriormente, teóricos da conspiração ignoraram toda a história de uma cidade e a origem de uma determinada instituição, e simplesmente tentaram buscar meios para justificar suas narrativas.
É importante destacar nesse ponto, que a junção “Satan” + “there” é totalmente surreal diante do que acabamos de informar a vocês, começando pelo fato que se usa toda uma gramática e fonética distorcida em outro idioma, nesse caso o inglês, para tentar criar uma conexão com um nome em espanhol, que sequer é pronunciado dessa forma. Além disso, dizer que “Santan” faria a pessoa rapidamente lembrar de “Satan” ou “Satanás”, e o “der” seria “there” (“lá” em inglês), ou seja, “Satã Está Lá” é muito grotesco, visto que “der” não significa “there“, em inglês, e a própria palavra não necessariamente significa ou é utilizada como “lá”, depende muito de um contexto. Simplesmente é um dos significados, que foram pinçados para tentar corroborar com a narrativa fantasiosa.
Até mesmo o Rick Chester, um ex-vendedor de água em Copacabana, no Rio de Janeiro, que se tornou símbolo nacional de inspiração e esperança, foi alvo de teoria conspiratória por aparecer no comercial do Banco Santander. No vídeo original, em determinado momento é mencionado: “nossa chama inflama com água” e, em seguida, aparece o Rick indagando: “Pegou a visão?“. Porém, a referência foi tão somente o próprio passado do Rick, nada além disso.
Enfim, de qualquer forma, essa tentativa de associar o Banco Santander a algo satânico é antiga. Em novembro de 2013, o site da “Igreja do Primeiro Impacto” disse que, segundo pesquisadores renomados, o nome do banco, na verdade, é um jogo de palavras com o termo “Satan nder”, que traduzido diretamente da língua alemã significaria “Satanás Descendente”, ou seja, Santander significaria “descendentes de Satanás”. Esse é outro absurdo linguístico, visto que descendente (em termos de relação de parentesco) em alemão é “nachkommen“. Também é mencionado que o logo retrataria a face de Satanás, que por ter comercial na Rede Globo seria um indício de satanismo, entre outras alegações totalmente absurdas, e que não fazem o menor sentido.
O Simbolismo da Chama ou do Elemento Fogo
Alegar que a chama é um elemento subliminar para se referir a “Satanás” ou ao “fogo do inferno” é novamente absurdo, uma vez que denota uma total falta de conhecimento da simbologia por trás da chama ou do elemento fogo, como preferirem.
O fogo simboliza a energia divina, purificação, revelação, transformação, regeneração, ardor espiritual, provação, ambição, inspiração, paixão sexual – elemento masculino e ativo, que simboliza ao mesmo tempo o poder criativo e destrutivo. Graficamente, o fogo era representado por um triângulo na alquimia, na qual era o elemento unificador. Em escala doméstica (o fogo da lareira, por exemplo), sua imagem é protetora e confortante; como força consumidora da natureza, é ameaçadora.
Uma dualidade de louvor e medo fundamenta os rituais do culto ao fogo. Nas culturas antigas ou primitivas, ele parece ter sido reverenciado primeiro como um deus real, depois como símbolo do poder divino. Elemento aparentemente vivo, crescendo daquilo que se alimenta, morrendo e reaparecendo, era às vezes interpretado como uma forma terrestre do Sol, com o qual compartilha a maior parte de seu simbolismo. Devido às repercussões importantes de fazer fogo para o desenvolvimento humano, é visto em quase todos os mitos como habilidade divina. Daí as lendas do fogo roubado dos deuses do céu por heróis como Prometeu, ou obtido pela persuasão de uma divindade infernal, como no caso do herói Maui nos mitos da Nova Zelândia (onde era plausível uma origem vulcânica da ilha).
Nos mitos e no ritual do culto ao fogo, as tradições mais duradouras e menos ameaçadoras têm sido as do Irã (de onde o deus veda Agni basicamente se origina) e dos clássicos com seus deuses benéficos, como Hefesto (Vulcano, na mitologia romana). Muitos cultos ao fogo eram horripilantes, como no asteca do México e também na adoração pelos cananeus de Moloch, para quem se sacrificavam crianças. Onde o fogo não era cultuado diretamente constituía em geral poderoso símbolo da revelação divina, como no Livro de Deuteronômio (4:12), quando “a montanha queimou com fogo” e Jeová falou aos hebreus do meio dele. Também no Cristianismo, o fogo é uma encarnação do Espírito Santo.
O fogo é a manifestação do Grande Espírito nas tradições dos nativos da América do Norte, onde a fogueira era imagem de felicidade e prosperidade e o próprio Sol era chamado de Grande Fogo. No budismo, a coluna de fogo é o símbolo do Buda, e o fogo como iluminação pode ser uma metáfora do conhecimento. No pensamento místico, o fogo em geral simboliza a união com a divindade, transcendência da condição humana, o fim de todas as coisas. Daí o conceito do fogo espiritual , que queima sem consumir: “Ó sábios, junto a Deus, sob o fogo sagrado, como se num mosaico de ouro a resplender” do poema “Sailing to Byzantium” (“Velejando para Bizâncio”, em português), de 1927, escrito por W.B. Yeats.
O fogo na arte cristã é o teste definitivo de pureza ou fé, visto que temos, por exemplo, um coração flamejante como emblema de Santo Agostinho, e também da representação do Imaculado Coração de Maria. O conceito associado de purgar o mal pelo fogo levou às atrocidades mais cruéis da Igreja Cristã. O Judaísmo também usava a chama como símbolo punitivo ou defensivo – os anjos com espadas flamejantes guardam um Éden perdido. O simbolismo da ressurreição do fogo é personificado pela fênix e pela salamandra – e também pelos rituais da Páscoa das Igrejas Católica Romana e Ortodoxa Oriental, em que os círios são extintos e, em seguida, acesos a partir de “um novo fogo”.
As fogueiras de Ano Novo têm sua origem em modalidades de simpatia, associando o ato de acender novas fogueiras ao retorno da luz e ao calor do Sol. No Japão, contudo, os fogos de xintoístas de Ano Novo têm a intenção de impedir o risco de fogos destrutivos no ano vindouro. Na Europa, raposas (também associadas ao fogo) com tochas presas às caudas eram perseguidas pelos campos, com semelhante objetivo. O significado de espantar o mal está ligado às bombinhas chinesas, consideradas afugentadoras de demônios.
A importância nas culturas primitivas de preservar os fogos domésticos fundamenta a sacralidade emblemática da chama imortal – como no fogo vigiado pelas vestais em Roma; ou na tradição olímpica moderna, em que a chama carregada para cada novo jogo simboliza a continuidade dos ideais esportivos tradicionais. Igualmente primitiva, a antiga técnica de fricção para fazer fogo fundamenta o simbolismo sexual deste, que tem sido com frequência usado como metáfora do desejo.
Enfim, especificamente, em relação ao Santander, a chama representa a descoberta do fogo, como símbolo de progresso, além de paixão e proximidade. Contudo, para os teóricos da conspiração, a chama significa apenas uma coisa: Satanás.
A Renovação da Identidade Visual do Banco Santander
Em 23 março de 2018, o site “Meio & Mensagem” divulgou que, naquele mesmo dia, a presidente mundial do banco, Ana Botín, revelou a nova identidade visual do banco aos acionistas, em Madri, capital da Espanha. Segundo um comunicado à imprensa, o objetivo da mudança era adaptar-se ao novo ambiente digital e contribuir para a meta de atingir 30 milhões de clientes digitais no mundo, ainda naquele ano.
A nova marca do banco manteve as principais características da instituição: o nome, o ícone da chama (conforme dissemos anteriormente representa a descoberta do fogo, como símbolo de progresso, além de paixão e proximidade) e a cor vermelha. Apesar disso, inaugurava uma tipografia própria, mais moderna, e deixava para trás a caixa vermelha ao fundo. O uso da cor branca aumentou, representando a questão da transparência. Com as mudanças, o Santander também acreditava estar mais apto a fazer frente às novas instituições financeiras digitais que vinham surgindo.
A renovação da marca foi realizada a partir de um trabalho, que incluiu ouvir clientes e funcionários do Santander em todos os mercados onde o banco está presente.
Conclusão
O nome e o logo do Banco Santander não fazem nenhum tipo de apologia a Satanás ou possuem quaisquer referências de cunho satanista, conforme é alegado por teóricos da conspiração. O comercial “Nossa Chama”, consequentemente, também não apresenta elementos satânicos.
Tais alegações infundadas servem apenas para alimentar uma legião própria de seguidores que, com o tempo, infelizmente, se tornam incapazes de procurar por fatos históricos e toda uma simbologia inspirada na própria história da humanidade.