A Mulher sem Expressão: Uma chacina real ou tão somente um conto de terror?
Uma história apelidada de “A Mulher sem Expressão” (“The Expressionless“, em inglês) circula há muito tempo na internet, e diversos sites e canais no YouTube já abordaram esse tema anteriormente. Em novembro de 2018, por exemplo, o canal “Você Sabia”, no YouTube, abordou esse caso, prometendo divulgar a verdade sobre ele. Porém, em um determinado momento, foi cogitada a possibilidade de que algo estranho possa ter acontecido, e com o tempo a história tenha ganhado proporções muito maiores do que originalmente teria ocorrido. Além disso, foram oferecidas diversas hipóteses sobre a história. Nenhuma delas foi apresentada como a verdadeira, embora o título do vídeo fosse: “A VERDADE SOBRE A MULHER SEM EXPRESSÃO !!“
Assim sendo, resolvemos abordar mais uma vez esse caso, e apresentar a vocês a realidade por trás desse assunto. Será mesmo que uma chacina aconteceu em um hospital norte-americano no início da década de 1970? Se você não conhece essa história, acompanhe conosco essa postagem, aqui, no E-Farsas!
A Versão Mais Famosa que Circula na Internet
Conta-se que junho de 1972, uma mulher apareceu no Hospital Cedar-Senai, usando longas vestes brancas e cobertas de sangue. Isso não deveria ser tão estranho, porque pessoas podem dar entrada em hospitais em tais condições devido a acidentes de trânsito, por exemplo. Porém, havia duas coisas, que teriam feito com que as pessoas, que a viram, vomitassem e fugissem aterrorizadas.
A primeira é que ela não era exatamente humana. Ela se parecia com um manequim, mas tinha a destreza e a fluidez de um ser humano normal. Seu rosto era tão impecável quanto um manequim, sem sobrancelhas e manchado de maquiagem. A segunda é que havia um gatinho preso em suas mandíbulas, tão estranhamente apertado, que não se via nenhum dente. O sangue ainda esguichava por cima de seu vestido, e escorria pelo chão. Então, ela o puxou para fora de sua boca, o jogou de lado e desmaiou.
Desde o momento em que entrou no hospital até ser levada para um quarto e ser limpa antes de ser preparada para a sedação, ela estava completamente calma, sem expressão e imóvel. Os médicos acharam melhor imobilizá-la até que as autoridades competentes pudessem chegar e ela não reagisse de forma mais exaltada. Eles não foram capazes de obter qualquer tipo de resposta dela e a maioria dos membros da equipe se sentia muito desconfortável em olhar diretamente para a mulher por mais de alguns segundos. Porém, assim que a equipe tentou sedá-la, ela reagiu com uma força extrema. Dois membros da equipe tiveram que segurá-la, quando seu corpo se levantou na cama com a mesma expressão vazia.
Ela virou os olhos sem emoção para um médico e fez algo incomum: sorriu. Assim que ela sorriu, uma médica gritou e ficou em estado de choque. Na boca da mulher não havia dentes humanos, mas pontas longas e afiadas. Por um instante, um médico teria olhado para ela e dito: “Mas o que diabos é você?” Ela inclinou o pescoço até o ombro para observá-lo, ainda sorrindo. Houve uma longa pausa, a segurança foi alertada e pôde ser ouvida vindo pelo corredor.
Ao ouvir os seguranças se aproximando, ela se lançou para frente, afundando os dentes na garganta do médico, arrancando sua jugular, e deixando-o cair no chão, ofegando por ar enquanto esgasgava com seu próprio sangue. Ela se levantou e inclinou sobre ele, aproximando seu rosto de forma perigosa, enquanto a vida se desvanecia dos olhos do médico. Então, ela sussurrou em seu ouvido: “Eu…sou…Deus”. Os olhos do médico se encheram de medo, enquanto ele a observava calmamente se afastar, indo de encontro com os seguranças. Sua última visão teria sido vê-la se deliciando de cada um dos seguranças. Uma médica que sobreviveu ao incidente a chamou de “A Mulher Sem Expressão”.
A mulher nunca mais foi vista novamente.
Verdadeiro ou Falso?
Essa história é totalmente falsa, e foi simplesmente criada por um escritor britânico de contos ficcionais de terror chamado “T-Jay Lea“, no formato de creepypasta.
Sei que muitos podem estar pensando nesse momento sobre quais seriam os indivíduos, que acreditariam em histórias desse tipo, porém saibam que milhões de pessoas, principais as mais jovens, continuam acreditando em tais histórias e, de vez em quando, personagens ficcionais, tais como “Slenderman“, viram pretexto para assassinatos bárbaros cometidos por adolescentes. E, mais de uma vez, diga-se de passagem. Apesar de não acreditar que o público do E-Farsas seja composto por crianças ou pré-adolescentes, é muito importante que os mais velhos conscientizem os mais novos, mostrando efetivamente, que tais histórias são apenas invenções – não há uma única chance sequer de algo assim ter acontecido. Explicaremos isso direitinho para vocês.
Vamos começar pelo local, onde o incidente teria ocorrido, ou seja, o Hospital Cedar Senai, que realmente existe, porém com um nome parecido: Centro Médico Cedars-Sinai. É um hospital terciário (de grande porte, e que atende alta complexidade), sem fins lucrativos, com 958 leitos, sendo um centro acadêmico de ciências da saúde e multi-especializado, localizado no bairro de Beverly Grove, em Los Angeles, Califórnia, nos Estados Unidos. Como parte do Sistema de Saúde Cedars-Sinai, o hospital emprega uma equipe de mais de 2.000 médicos e 10.000 funcionários.
Entretanto, esse é o único elemento verificável de toda a história. Ao procurarmos por artigos de jornais, revistas ou qualquer documento existente sobre essa história, o resultado é simplesmente nulo. Uma verdadeira chacina desse nível, com o assassinato de um médico e diversos seguranças dentro de um hospital com certeza geraria pânico, correria, tumulto e inúmeras ligações para a polícia e serviços de emergência. Além disso, teríamos inúmeras testemunhas oculares, que teriam visto tal mulher dentro e fora do hospital, visto que estamos falando de uma área urbana de uma das principais cidades da Costa Oeste dos Estados Unidos. Porém, novamente, não há absolutamente nada sobre isso.
Segundo o canal “Você Sabia”, no YouTube, talvez um caso de menor gravidade tivesse acontecido nesse hospital e com o passar do tempo, de boca em boca, a história teria ganhado uma dimensão muito maior, ou seja, pessoas teriam começado a adicionar informações inverídicas. Como justificativa, foi mencionado que o Cedars-Sinai teria sido reinaugurado em 1961, e atendia pacientes com problemas psiquiátricos. Até mesmo foi apresentado um artigo de jornal para justificar essa possibilidade.
O problema, aparentemente, é que ninguém leu o que o artigo realmente dizia, pois o Centro Médico Cedars-Sinai não foi reinaugurado em 1961, visto que ele sequer existia fisicamente!
No artigo publicado pelo jornal “Los Angeles Times”, em 8 de fevereiro de 1961, foi mencionado que os hospitais “Cedars of Lebanon” e “Mt. Sinai” iriam se fundir para criar o maior hospital privado, sem fins lucrativos, da Costa Oeste. Naquele momento, ambos os hospitais continuaram funcionando em suas respectivas unidades, de forma separada, até que funcionassem de forma unificada, em um mesmo local próprio, que ainda não estava definido. Uma realização imediata de tal fusão seria prover um programa psiquiátrico para todas as idades, visto que ambos os hospitais tinham um longo retrospecto em cuidados com a saúde mental.
Foram muitos anos de discussão, debates e arrecadação de fundos. Somente em 1971, por exemplo, que começaram as primeiras fases de construção do Centro Comunitário Thalias de Saúde Mental, um prédio de 9.000 m² para serviços psiquiátricos. A cerimônia simbólica de lançamento do projeto (início das principais obras), no entanto, ocorreu apenas em 1972. Finalmente, em junho de 1976, o novo Centro Médico Cedars-Sinai foi oficialmente inaugurado, e começou a receber seus primeiros pacientes. Resumindo? O Centro Médico Cedars-Sinai não existia fisicamente antes de 1976.
Além disso, conforme vocês puderam notar, mesmo diante de tanta história há praticamente uma única foto. Não há fotos de rastros de sangue, pessoas mortas em corredores ou qualquer outra imagem, que possa ilustrar o que teria acontecido, algo que, por si só, denotaria fortemente uma farsa. Nesse sentido, na ânsia de querer acreditar ou tornar credível um mero conto de terror, muitas pessoas acabam cometendo absurdos históricos. Há quem diga, por exemplo, que houve uma única foto, porque não havia câmeras portáteis ou que câmeras não tiravam facilmente mais de uma foto naquela época.
Provavelmente, você já ouviu falar da empresa Kodak, não é mesmo? Pois bem, em 1888, George Eastman e Henry A. Strong, que viriam a ser os fundadores de uma empresa chamada Eastman Kodak Company, lançaram uma câmera portátil, que utilizava um rolo de filme, ainda a base de papel, com 100 poses (dava para tirar 100 fotos). Para revelar as fotos, no entanto, era necessário enviar a câmera para empresa, em Rochester, no Estado de Nova Iorque, nos Estados Unidos. De qualquer forma, em muito pouco tempo, o rolo foi substituído por um filme a base de celulose, um prático filme flexível transparente.
Já em 1924, por exemplo, a câmera Leica I revolucionou o mundo da fotografia, uma vez que era um equipamento bem leve e compacto. Aliás, muitos a consideram como a primeira câmera compacta da história. Assim sendo, a alegação de que câmeras fotográficas só tiravam uma única foto em 1972 é totalmente absurda. Apesar das câmeras ainda utilizarem filmes de rolo, o intervalo de tempo entre uma foto e outra era muito pequeno, ou seja, não haveria razão para tirar uma única foto de um incidente tão estranho e bizarro quanto esse.
Algumas pessoas também tentam alegar, que o incidente teria sido acobertado pelo hospital. Porém, é muito importante ressaltar, que não é possível simplesmente esconder tragédias ou chacinas dessa magnitude, quando estamos falando de países com ampla liberdade de imprensa, tal como os Estados Unidos. Muitas pessoas tentam alegar um eventual encobrimento, mas com certeza os parentes das vítimas viriam a público em algum momento, algo que nunca aconteceu. Sem contar, é claro, que seria praticamente inviável comprar o silêncio de centenas ou milhares de testemunhas.
A Origem da História e da Foto mais Famosa que a Acompanha
Essa história começou a circular na internet apenas no início de maio de 2012, mais precisamente no dia 7, no site “Creepypasta Wiki“ (não há nenhum indício apontando, que essa história tenha circulado em qualquer momento anterior a essa data). Seu autor? Um usuário chamado “Ivysir“, mais conhecido como “T-Jay Lea“, um cidadão britânico, que atualmente alega morar em Londres. Ele é o criador da creepypasta chamada “The Expressionless” (“A Mulher sem Expressão”, em português), além de tantos outros contos ficcionais de terror.
Aliás, em seu perfil no site “Creepypasta Wiki“, ele disse que pararia de responder as mensagens enviadas para ele, ao menos para aquele determinado perfil, porque ele não precisava de uma criança de 12 anos lhe dizer como escrever obras de ficção, porque aquele era o seu trabalho.
Inclusive, T-Jay Lea publicou um livro chamado “The Horror Hub Collective“, destinado a usuários do Kindle (leitor de livros digitais da Amazon), que é basicamente uma coletânea de histórias curtas de terror. Conforme vocês puderam perceber, ele é um escritor de ficção, ou seja, o incidente relatado pela creepypasta “A Mulher sem Expressão” nunca aconteceu.
Nesse ponto também é importante mencionar o que é uma creepypasta. Esse é um termo utilizado para as histórias de terror ou lendas urbanas que são divulgadas através da internet. Basicamente, são narrações escritas de modo bastante envolvente, normalmente relacionadas com conteúdos ou produtos da cultura popular, assim como músicas, filmes, videogames, personagens de desenhos animados etc… O principal objetivo das creepypastas é assustar os leitores, além de se espalharem para o maior número possível de pessoas, através de compartilhamentos. Entretanto, para tentar enganar as pessoas e parecerem verdadeiras as creepypastas, algumas vezes, utilizam fotos ou vídeos verdadeiros, porém geralmente distorcem o conteúdo ou significado original, assim como aconteceu em “A Mulher sem Expressão”.
A foto mais famosa que acompanha o texto foi publicada em um livro chamado “Assignments”, publicado em 7 de novembro de 1972, pelo fotógrafo britânico Antony Charles Robert Armstrong-Jones, 1º Conde de Snowdon. Infelizmente, esse livro não está disponível online, mas encontramos algumas imagens retratando uma exposição fotográfica, de mesmo nome, que ele realizou naquele mesmo ano, em Des Moines, capital do estado norte-americano do Iowa.
É possível notar, que algumas fotografias retratam um ambiente hospitalar, o que é compatível com a foto divulgada juntamente com a creepypasta.
De qualquer forma, o escritor britânico T-Jay Lea não precisaria comprar o livro para ter fácil acesso a essa foto, visto que a mesma já estava circulando na internet desde julho de 2010, ou seja, dois anos antes de seu conto de terror! A foto havia sido publicada em uma conta na rede social “Tumblr”, chamada “Liquid Night”, e com a seguinte descrição (traduzida para o português): “Estudantes de enfermagem com um paciente de cera, 1968“.
Nesse sentido, é muito importante destacar que era muito comum, pelo menos desde o início do século XX, a utilização de bonecos, de cera ou não, para simular um corpo humano, e treinar equipes de enfermagem (algo que acontece até hoje, porém de forma muito mais moderna).
Portanto, a foto mais famosa que acompanha esse conto foi tirada em 1968, publicada um livro em 1972, e passou a circular na internet, desde 2010, a partir de uma publicação na rede social Tumblr, onde apontava, que eram apenas estudantes de enfermagem com um paciente de cera (um boneco, no caso). Posteriormente, T-Jay Lea criou uma história ficcional de terror, em 2012, e distorceu o contexto original da foto para associá-la ao seu conto. Simples assim.
Apesar de T-Jay Lea nunca ter revelado o que lhe inspirou a escrever “A Mulher sem Expressão”, não houve nenhuma chacina no Centro Médico Cedars-Sinai ou muito menos um incidente de menor gravidade, em 1972, nesse mesmo hospital, que pudesse servir de base para essa história, porque ele ainda não existia nessa época.
Há quem diga, que a inspiração possa ter vindo a partir de um filme chamado “Les Yeux Sans Visage” (“Os Olhos sem Rosto“), lançado em 1960, porém o filme não retrata nenhuma chacina em hospital. No filme, um professor chamado Génessier, um célebre cirurgião conhecido por seus trabalhos sobre heteroplastia, tem um filha chamada Christiane, que foi horrivelmente desfigurada em um acidente, ficando somente com os olhos intactos. Para tentar restituir-lhe a beleza de antes, ele, com a ajuda de uma enfermeira, sequestram e mutilam belas moças para fazer as cirurgias experimentais de enxerto de pele.
Enfim, essa história ficou tão famosa, que foram feitos diversos curtas e “mockumentários” sobre o tema. Entre eles podemos citar o curta “The Expressionless – Halloween Urban Legends“:
E uma espécie de “mockumentário” (falso documentário) chamado apenas de “The Expressionless“:
Conclusão
“A Mulher sem Expressão” (“The Expressionless”, em inglês) é tão somente um conto de terror (uma creepypasta) criado por um escritor britânico de ficção chamado “T-Jay Lea”. A foto mais famosa que acompanha esse conto foi tirada em 1968, publicada um livro em 1972, e passou a circular na internet, desde 2010, a partir de uma publicação na rede social Tumblr, onde apontava, que eram apenas estudantes de enfermagem com um paciente de cera (um boneco, no caso). Posteriormente, T-Jay Lea criou uma história ficcional de terror, em 2012, e distorceu o contexto original da foto para associá-la ao seu conto.
Apesar de T-Jay Lea nunca ter revelado o que lhe inspirou a escrever “A Mulher sem Expressão”, não houve nenhuma chacina no Centro Médico Cedars-Sinai ou muito menos um incidente de menor gravidade, em 1972, nesse mesmo hospital, que pudesse servir de base para essa história, porque ele ainda não existia nessa época.
Há quem diga, que a inspiração possa ter vindo a partir de um filme chamado “Les Yeux Sans Visage” (“Os Olhos sem Rosto“), lançado em 1960, porém o filme não retrata nenhuma chacina em hospital. No filme, um professor chamado Génessier, um célebre cirurgião conhecido por seus trabalhos sobre heteroplastia, tem um filha chamada Christiane, que foi horrivelmente desfigurada em um acidente, ficando somente com os olhos intactos. Para tentar restituir-lhe a beleza de antes, ele, com a ajuda de uma enfermeira, sequestram e mutilam belas moças para fazer as cirurgias experimentais de enxerto de pele.