Será verdade que o óleo de coco é um eficaz repelente natural?
Cada vez mais os brasileiros estão preocupados com os produtos e alimentos consumidos no dia a dia. Sempre que surge uma alternativa mais natural ou saudável, rapidamente esta se torna uma meta a ser alcançada. Diversos óleos e sais, por exemplo, muitas vezes acabam sendo promovidos à categoria de produtos miraculosos. Um deles, o óleo de coco, muitas vezes é mencionado como se servisse para quase tudo, inclusive como um eficiente repelente natural! Há quem diga também, que talvez ele proteja as pessoas contra o Aedes aegypti, o famoso “mosquito da dengue”.
Em abril de 2019, a nutricionista e palestrante Bella Falconi, publicou em sua conta no Instagram que o óleo de coco servia como um eficiente repelente natural! Ela alegou ter lido um artigo científico publicado no ano anterior, que teria mencionado justamente isso. Ela também colocou as referências do artigo na descrição.
Confira a publicação e o respectivo vídeo abaixo:
Bella Falconi também aconselhou acrescentar o óleo de capim limão, como fator “potencializador”, mas se limitou a dizer que a alternativa podia não proteger contra o Aedes aegypti. Contudo, ela deixou a história meio que em aberto. Não afirmou categoricamente, nem que sim e nem que não. De qualquer forma, imaginem não depender de produtos químicos para repelir mosquitos? Imaginem poder passar um pouco de óleo de coco na pele ou então borrifá-lo no ar e ter sua família protegida? Parece ser algo inacreditavelmente simples, não é mesmo?
Entretanto, será que o óleo de coco é realmente um eficiente repelente natural? O estudo que ela alegou ter lido realmente disse isso? Você e sua família estarão seguros ao utilizar o óleo de coco dessa forma? Descubra agora, aqui, no E-Farsas!
Verdadeiro ou Falso?
Falso! O estudo mencionado por Bella Falconi não diz que o óleo de coco é um repelente natural. Aliás, até o momento não há nenhum estudo que comprove que o óleo de coco atue como repelente de mosquitos e, muito menos, que proteja contra o Aedes aegypti. Não é uma questão de “pode não proteger”. Simplesmente não há nada provando que o óleo de coco sirva para essa finalidade. Acrescentar qualquer outro óleo, seja de capim limão ou não, também não é nenhuma garantia de eficácia. Portanto, uma pessoa pode acabar morrendo por confiar em informações erradas.
Veja abaixo um comentário que demonstra o tamanho do problema:
Para piorar, também há sites que promovem essa “dica” sem medir tais consequências.
A publicação de Bella Falconi foi visualizada mais de 33 mil vezes, sendo que ela possui cerca de 4 milhões de seguidores. E, como se isso não bastasse, o perfil no Facebook da Copra, empresa fabricante do óleo de coco que a nutricionista promoveu, também compartilhou seu vídeo. Assim sendo, o número de pessoas expostas a desinformação foi consideravelmente alto.
Vamos explicar direitinho essa história para vocês, começando com algumas mentiras que circulam há tempos na internet!
1) O Óleo de Coco NÃO é Antibiótico e NÃO Previne ou Cura a Dengue!
Recentemente, o departamento de fact-checking da Agence France-Presse (AFP) desmentiu duas importantes alegações. A primeira é que o óleo de coco seria um antibiótico natural, e a segunda é que poderia prevenir a dengue. O motivo? Um texto alegando isso vem circulando há anos nas redes sociais de países como a Índia e as Filipinas.
Uma vez que epidemias de dengue são parte da rotina dos brasileiros, achei interessante trazer essas informações ao conhecimento de vocês.
A Opinião de Especialistas
Em uma entrevista por email, a Dra. Gawrie Loku Galappaththy, médica do Programa Global de Eliminação da Malária e outras Doenças Transmitidas por Vetores e Parasitas, da Organização Mundial da Saúde (OMS) das Filipinas, foi categórica em dizer que o óleo de coco não é um antibiótico e que não há evidências que o óleo previna ou cure a dengue
Já a Dra. Anh Wartel, chefe do Departamento de Desenvolvimento Clínico e Regulatório do Instituto Internacional de Vacinas, um organismo que desenvolve vacinas para diferentes doenças, incluindo a dengue, apontou que os antibióticos não são usados para infecções virais.
Eles são prescritos para infecções bacterianas, mas não infecções virais.
O Óleo de Coco Possui Algumas Propriedades Antimicrobianas, Mas…
O Dr. Edsel Salvana, diretor do Instituto de Biologia Molecular e Biotecnologia dos Institutos Nacionais de Saúde da Universidade das Filipinas – Manila e professor adjunto de Saúde Global da Universidade de Pittsburgh, nos EUA, também disse que não há dados científicos confiáveis que comprovem que o óleo de coco pode prevenir ou curar dengue.
Confira abaixo o que ele disse:
“Não é um antibiótico no sentido de que você pode usá-lo de forma confiável para o tratamento da infecção. Ele tem algumas propriedades antimicrobianas, mas não há ensaios clínicos randomizados que tenham provado sua eficácia na infecção ativa. Não pode ser usado para prevenir a dengue. Não há dados científicos confiáveis indicando que o óleo de coco possa prevenir a dengue ou qualquer mecanismo biológico que mostre que ele possa curá-la. Isso só pode ser demonstrado por um ensaio clínico randomizado e controlado, e não tenho conhecimento de nenhum ensaio publicado em revistas científicas conceituadas e revisadas por pares“
2) Óleos Não São Confiáveis na Prevenção de Picadas de Mosquitos!
De modo geral, muitas pessoas usam óleos como repelentes naturais por acreditarem que eles possuam alguma substância mágica ou porque se preocupam com o contato de produtos químicos em suas peles. Contudo, a realidade é outra. Basicamente, os mais diversos óleos, grosso modo, disfarçam o nosso cheiro. Eles meio que mascaram o dióxido de carbono e o ácido lático exalados pelo ser humano.
Resumindo? Fica um pouco mais “difícil” do mosquito encontrar você, mas não tanto ao ponto de serem confiáveis. O motivo? As taxas de efetividade de óleos naturais costumam ser bem baixas, entre 30 e 60%, e o tempo de atuação é bem curto, entre 20 e 60 minutos. Esse tempo pode ser aumentado ao misturar dois ou mais óleos, mas raramente passa de 4h de atuação (dependendo dos óleos utilizados). E não somente isso, a concentração necessária para que haja algum efeito prático de alguns óleos, pode causar desde queimações e irritações na pele até cegueira temporária nas pessoas. Se o óleo de capim limão for usado puro, por exemplo, pode causar ardência, vermelhidão ou irritação na pele.
Seria necessário um artigo a parte somente para explicar o quão ineficiente alguns óleos essenciais podem ser. Leiam um artigo (em inglês) publicado em maio de 2019 pelo conceituado site “Consumer Reports”. Ele irá mostrar uma parte da realidade, que nem sempre é mencionada para vocês.
A Opinião do Dr. Edsel Salvana
Nesse sentido, o Dr. Edsel Salvana disse que, de modo geral, qualquer óleo pode ser usado como uma “barreira contra picadas de mosquitos”, mas eles não são confiáveis!
“Qualquer óleo pode ser utilizado como barreira contra picadas de mosquitos, mas não são confiáveis ou práticos ao longo do dia. Repelentes comprovados contra mosquitos, assim como o DEET, tem um efeito repelente químico contra mosquitos. Há um artigo que estuda compostos e outras propriedades repelentes de insetos a partir de ácidos graxos derivados do óleo de coco, mas estes são extratos concentrados, e óleo de coco não processado não teve efeito sobre moscas-dos-estábulos e não foi testado contra mosquitos“
Adivinhem qual era esse artigo? Exatamente aquele que Bella Falconi alegou ter lido! A seguir vamos conferir a realidade por trás desse estudo.
3) Entendendo o Artigo: A Realidade Por Trás do que Foi Mencionado!
O artigo intitulado “Better than DEET Repellent Compounds Derived from Coconut Oil“, foi publicado em setembro de 2018 no periódico científico “Scientific Reports”.
Nele, uma equipe de cientistas liderada pelo entomologista Dr. Junwei (Jerry) Zhu, juntamente com a Unidade de Pesquisa em Gestão de Agroecossistemas da ARS (Serviço de Pesquisa Agrícola do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) em Lincoln, no estado norte-americano de Nebraska, identificou ácidos graxos específicos derivados do óleo de coco, que têm forte repelência e eficácia duradoura contra múltiplos insetos – mosquitos, carrapatos, moscas-dos-estábulos e percevejos – que podem transmitir doenças a humanos e animais.
Basicamente, os cientistas criaram alguns compostos altamente concentrados de alguns ácidos graxos específicos derivados do óleo de coco. Tais compostos foram eficazes contra moscas-dos-estábulos e percevejos por duas semanas, além de promover uma repelência duradoura contra carrapatos por pelo menos menos uma semana em testes de laboratório. Também foi demonstrada uma forte repelência contra mosquitos, quando concentrações mais altas foram aplicadas topicamente. Contudo, o óleo de coco em si, aquele se encontra na prateleira dos supermercados, por exemplo, NÃO tem eficácia alguma comprovada.
Entramos em Contato com o Dr. Junwei Zhu
Entramos em contato com o Dr. Junwei Zhu para que não restasse nenhuma dúvida sobre esse assunto. Mesmo sabendo que o óleo de coco não funcionava como repelente, abrimos nossa série de perguntas questionando justamente isso. Um pote de óleo de coco comprado no supermercado serve como repelente? Eis a resposta:
“O óleo de coco em si não é um repelente, algo que também foi relatado no artigo. Ácidos graxos derivados do óleo de coco (somente três cadeias de comprimento médio: C8, C10 e C12) são. Não realizamos nenhum teste de toxicidade. No entanto, a nossa formulação à base de água com 6,7% de ácidos graxos de coco repeliu de forma eficaz as moscas-dos-estábulos em testes de campo.“
Em seguida, perguntamos se uma farmácia de manipulação poderia criar um “extrato concentrado de óleo de coco”, com base nas informações do artigo, e alegar que serve como repelente. Questionamos se algo assim funcionaria ou seria seguro. Eis a resposta:
“Conforme mencionado anteriormente, o óleo de coco do supermercado não é repelente. Temos uma patente pendente nos EUA relacionada a aplicação desses compostos repelentes. Mais uma vez, o extrato concentrado de óleo de coco não repelirá os insetos sugadores de sangue.“
Para finalizar, questionamos a eficácia do composto repelente contra mosquitos (incluindo o Aedes aegypti). Isso porque apenas três voluntários, com idade entre 30 e 60 anos, participaram dos testes. Assim sendo, os resultados poderiam ser diferentes de acordo com a idade, sexo ou etnia? Outros estudos estavam sendo planejados para o futuro, envolvendo mais participantes? Os resultados foram satisfatórios para criar um repelente para humanos? Eis a reposta:
“O teste de repelência de mosquitos foi feito por nossos colaboradores usando dois métodos diferentes. Atualmente, estamos colaborando com outros cientistas para investigar mais profundamente. Espero que os resultados sejam publicados em breve.“
Conclusão
Falso! O estudo mencionado por Bella Falconi não diz que o óleo de coco é um repelente natural. Aliás, até o momento não há nenhum estudo que comprove que o óleo de coco atue como repelente de mosquitos e, muito menos, que proteja contra o Aedes aegypti. Não é uma questão de “pode não proteger”. Simplesmente não há nada provando que o óleo de coco sirva para essa finalidade. Acrescentar qualquer outro óleo, seja de capim limão ou não, também não é nenhuma garantia de eficácia.
No estudo, os cientistas criaram alguns compostos altamente concentrados de alguns ácidos graxos específicos derivados do óleo de coco. Tais compostos foram eficazes contra moscas-dos-estábulos e percevejos por duas semanas, além de promover uma repelência duradoura contra carrapatos por pelo menos menos uma semana em testes de laboratório. Também foi demonstrada uma forte repelência contra mosquitos, quando concentrações mais altas foram aplicadas topicamente. Não foram realizados testes de toxicidade e mais estudos sobre a eficácia em seres humanos estão sendo conduzidos.
Entretanto, o óleo de coco em si, aquele se encontra na prateleira dos supermercados, por exemplo, NÃO tem eficácia alguma comprovada. Usar um extrato concentrado de óleo de coco, manipulado em farmácia, também NÃO irá repelir insetos sugadores de sangue.
Portanto, uma pessoa pode acabar morrendo por confiar em informações erradas. Tomem muito cuidado com aquilo que é divulgado na internet, porque não é de hoje que inúmeras pessoas não leem ou não sabem ler corretamente estudos científicos. Esse é um problema crônico no mundo.