Falso
Paciente com câncer terminal foi curado após tratamento desenvolvido por brasileiro?
É verdade que o norte-americano Scott Miller foi curado de um câncer de próstata após ser tratado com um método desenvolvido por um brasileiro?
A notícia surgiu em diversos sites e blogs na última semana de abril de 2023, após a publicação no site chamado CNN Brasil. De acordo com ela, o paciente teria sido tratado por seis meses com a tecnologia chamada BTT – desenvolvida por um brasileiro – que consiste na indução de proteínas de choque térmico por meio de aumento da temperatura.
O homem de 66 anos de idade teria se curado completamente do câncer terminal, mas será que isso é verdade ou mentira?
Verdade ou mentira?
O caso foi apresentado no 38º Congresso Anual da Sociedade de Thermal Medicine, que foi realizado de 24 a 27 de abril, em San Diego (EUA), mas trata-se de um caso isolado e que não tem nenhuma base científica.
Também não há publicações em revistas científicas sobre o tratamento e tampouco sobre o paciente. Portanto, não há como saber se o homem passou por outros tratamentos durante o processo ou se houve uma simples remissão causada pelo seu próprio organismo.
O Instituto Questão de Ciência foi uma das organizações que investigaram o assunto, apurando que o criador da terapia chamada BTT não tem nenhum artigo publicado a respeito. O que por si só já levanta uma bandeira vermelha de cautela sobre isso.
O Questão de Ciência também averiguou em seu artigo que, embora o médico seja citado como “pesquisador da Universidade de Yale“, ele só esteve na instituição no início dos anos 2000, mas “atualmente a instituição nega qualquer vinculação com o médico brasileiro, ou ter qualquer informação sobre seu paradeiro e atuação”, diz a publicação.
Procurando um pouco mais sobre o tal “tratamento revolucionário”, descobrimos que ele é oferecido (a valores bem altos) por uma empresa fundada pelo pesquisador citado na matéria, que iniciou seus trabalhos voltados para a cura da esclerose. No entanto, entidades dentro e fora do Brasil já apresentaram pareceres desfavoráveis a essa terapia.
A Associação Pró-Cura da ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), por exemplo, emitiu uma nota esclarecendo que não há estudos que comprovem que o tratamento de “choque térmico” seja eficaz contra a doença. A Associação explica que, apesar do conceito de estimular a produção de proteína de choque térmico na ELA existe desde o final de 1990 (e os pesquisadores / médicos sabem disso há tempos), este tratamento [proposto por esse brasileiro] induziria apenas proteínas de choque térmico nas células de suporte e que isso é um estudo que não tem dados significativos para respaldar um efeito positivo em modelos de laboratório.
Falta de matérias sobre o assunto
Chama a atenção também o fato de apenas o site da CNN Brasil ter noticiado o caso que poderia ser a revolução no tratamento do câncer (quem sabe seria até merecedor de um prêmio Nobel). Outros sites até falaram sobre o assunto, mas deram como fonte a matéria da CNN Brasil.
O jornal O Globo foi um dos poucos veículos de imprensa que fez o que o Jornalismo deve fazer: ouviu o parecer de diversos especialistas no assunto e concluiu que é preciso ter cautela, pois trata-se de um caso isolado.
A reportagem d’O Globo lembra que apenas um relato de caso não é suficiente para comprovar a eficácia de um tratamento, pois existem casos registrados na literatura médica em que o paciente entra em remissão (o desaparecimento parcial ou total das células cancerígenas) por outras causas, como um processo imunológico de seu próprio corpo.
O canal Nunca Vi 1 Cientista fez um vídeo muito bacana sobre o assunto:
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Como muito bem observa o cardiologista e pesquisador José Alencar, autor do Manual de Medicina Baseada em Evidências, se a eficácia de uma terapia ainda não está comprovada, ela não pode ser usada em humanos:
Você deve ter visto essa notícia na CNN, ou em outros veículos de mídia, ontem.
Mas o que você talvez não saiba é que MESMO que o paciente tenha se curado DEPOIS deste tratamento, isso não prova que o tratamento CAUSOU a cura.
Fica no fio que o tio vai te explicar. pic.twitter.com/xOXdyQghi5
— José de Alencar (@josenalencar) April 28, 2023
Conclusão
Não há evidências de que um paciente tenha se curado de um câncer terminal por causa de uma nova terapia desenvolvida por um brasileiro. O caso foi apresentado em um congresso nos Estados Unidos, mas não há nenhuma publicação científica sobre o assunto!