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Paciente com forte odor e coceira na região íntima foi contaminada por bactéria presente apenas em cadáver?

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Paciente com forte odor e coceira na região íntima foi contaminada por bactéria presente apenas em cadáver?

Paciente com forte odor e coceira na região íntima foi contaminada por bactéria presente apenas em cadáver?

Médica conta o caso de uma paciente que teria sido contaminada pelo marido necrófilo com uma bactéria que só existe em cadáveres! Será que essa história é real? 

O vídeo foi publicado por no perfil de uma médica no TikTok, no dia 16 de junho de 2024, e já foi visto mais de 4,5 milhões de vezes. Nele podemos ver uma moça escrevendo em um caderno e as legendas do vídeo contam o caso de uma suposta paciente que teria sido atendida por ela com forte odor e coceira na região íntima. Após passar por vários médicos, a doutora finalmente teria descoberto, por meio de diversos exames, que a mulher havia se contaminado com uma bactéria que só existe em cadáveres.

A profissional de saúde ainda revela que, após muita investigação, teria descoberto que o marido da paciente, que trabalha no IML, havia feito sexo com cadáveres e levado a doença para dentro de casa!

Será que essa história é verdadeira ou falsa?

Medica conta o caso de uma paciente que teria sido contaminada pelo marido necrófilo que trabalha em um IML! Será verdade? (foto: Reprodução/TikTok)

Verdade ou mentira?

É muito difícil checar informações como essa, onde os nomes dos envolvidos não são (ou não podem) ser revelados. Qualquer um poderia inventar uma história assim, visto que não é necessário apresentar nenhuma prova do que é relatado. O assunto viraliza rapidamente através das redes sociais, pois apela para o lado emocional do leitor, mas há alguns pontos que precisamos analisar antes de sair compartilhando.

Também é importante deixar bem claro aqui que a necrofilia é uma parafilia, um distúrbio sexual de quem sente prazer ou compulsão por sexo com cadáveres.

De acordo com o artigo 212 do Código Penal, a prática pode ser classificada como crime de vilipêndio de cadáver e é punível de detenção de um a três anos.

Além das questões morais, de costumes e criminais, o contato com defuntos pode trazer malefícios para a saúde, como explica essa matéria de 2020 do UOL. Especialistas explicam que não é recomendado tocar, beijar ou simplesmente encostar num morto durante o velório, por exemplo, dado ao alto potencial infeccioso que o cadáver pode transmitir.    

Dito isso, vamos ao caso contado pela médica: em primeiro lugar, não existe uma bactéria presente “só em defuntos”. Nosso organismo é repleto de bactérias que convivem em harmonia (na maioria das vezes) dentro e fora do corpo e, quando morremos, as bactérias (que não tem mais que lutar para sobreviver) começam a se multiplicar. O processo de putrefação se inicia quando sangue rico em oxigênio para de ser bombeado e as células, carentes do gás vital, começam a digerir umas as outras. Ao mesmo tempo, as bactérias (principalmente) que faziam o trabalho de digerir as proteínas no intestino passam a excretar gases (metano, cadaverina e putrescina) com um forte e desagradável odor. Esse fedor atrai moscas que depositam seus ovos e aceleram a decomposição.

É importante frisar mais uma vez: não existe uma bactéria que “só dá” em cadáver!

Em um vídeo publicado no TikTok no dia 18 de junho de 2024, o perito criminal Marcelo Rocha Campos explica o que já dissemos nos parágrafos anteriores: que não existe bactéria presente só em cadáver, além de esclarecer que algumas bactérias presentes na própria mulher podem resultar em forte odor e coceira na região íntima:   

@wimarcelo

Sobre as bacterias dos corpor em decomposiçao #casosreais #anatomia #putrecina #cadaverina

♬ som original – Marcelo Rocha Campos

Em relação ao caso apresentado pela médica, é possível que ela tenha apenas ouvido falar sobre esse boato e o tenha repassado em forma de vídeo acreditando ser verdade, mas o fato é que a “história da mulher que se contaminou do marido que trabalha no IML” é uma das mais antigas lendas urbanas da internet (surgida até mesmo antes da invenção da “grande rede mundial de computadores”). 

O site de língua inglesa Snopes, uma das maiores referências mundiais em lendas e notícias falsas, já havia investigado casos semelhantes em 2001 e atestando que tudo não passa de folclore.

Em 2017, o site The Tab resolveu investigar essa e outras lendas transmitidas por gerações e, após ouvir vários médicos, concluiu que não há um verme (ou bactéria) presente exclusivamente em defuntos. Também não conseguiu descobrir um único caso real sobre uma mulher que teria sido contaminada pelo marido que trabalhe em um necrotério.

O jornal africano Malta Business Weekly investigou um caso que teria ocorrido no IML de um hospital local, em 2010, e descobriu que o fato nunca aconteceu por lá. Os repórteres também descobriram que o boato que circulou na ocasião era muito parecido com outro rumor infundado disseminado dois anos antes, por um jornal norueguês.

O norte-americano David Enemy, estudioso do folclore no mundo todo, descobriu a possível origem dessa lenda. Segundo ele, tudo pode ter surgido de um conto escrito pelo professor norueguês Øystein Skundberg em um grupo de debate online no ano de 1998. Em “The Bad Date” (“O Péssimo Encontro”, em inglês), Skundberg narra o caso de uma garota que, após fazer sexo desprotegido com um homem, começa a sentir fortes coceira na virilha. Após passar por vários médicos, ela é diagnosticada com uma doença transmitida por vermes presentes apenas em cadáveres. 

“[…]Acontece que o homem com quem ela dormiu trabalhava em um grande hospital e praticava atividades necrófilas, pois tinha acesso a cadáveres. Como a menina estava na casa dele, a polícia conseguiu localizá-lo.”, diz o final do conto.

Perceba que o conto do norueguês, de quase 3 décadas atrás, possui muitos elementos semelhantes ao relato da médica. Um deles é o fato da paciente ter procurado outros médicos antes de descobrir o diagnóstico “correto”. No caso de 1998, o primeiro médico encaminhou a paciente para um segundo e esse, por sua vez, a encaminhou para um terceiro – que finalmente descobriu o que ela tinha. Esse recurso aumenta a dramaticidade da história e cria uma conexão com o leitor.  

Além disso, os “vermes” relatados por Skundberg são apenas larvas de moscas, presentes nos animais em decomposição. Eles não existem apenas em defuntos, mas a cultura popular – através da literatura e do cinema – transformou esses bichinhos em um dos símbolos do horror macabro.  

Podemos ver outro caso nessa publicação feita no TikTok, de dezembro de 2023, onde uma preparadora de defuntos diz que “conhece um caso” de alguém que conhece alguém que contaminou a esposa após praticar necrofilia no IML. No entanto, a bactéria que supostamente teria contaminado necrófilo (e sua esposa) e mostrada no vídeo não tem nenhuma relação com cadáveres, pois se trata da Vibrio vulnificus (conhecida como “comedora de carne” por necrosar a região afetada). Essa bactéria é altamente resistente a tratamentos e pode ser contraída de várias formas, como aconteceu com esse norte-americano que foi infectado enquanto caminhava na praia descalço.

E esse boato que circulou em Goiânia em 2008, de uma moça que teria ficado com feridas nos lábios após se contaminar com uma “bactéria de cadáver”? Disseram na época que ela havia beijado um rapaz estranho em uma festa e, após passar por vários médicos – como nessa versão que circulou em junho de 2024 – a moça teria ajudado nas investigações policiais e descoberto que o rapaz trabalhava num IML, onde praticava necrofilia.

Apesar do assunto circular com força na ocasião (algumas versões até citavam os nomes dos supostos envolvidos, incluindo os policiais que teriam participado das investigações), não houve nenhum boletim de ocorrência ou registros na polícia sobre isso.

Mais um exemplo: em 2009, circulou um rumor na cidade mineira de Pouso Alegre sobre uma moça que teria sido contaminada com “bactérias de cadáver” após “ficar” com um estudante de medicina necrófilo. O jornal Pouso Alegre relembrou o caso, mostrando recortes de jornais que publicaram o boato na ocasião e explicando que tudo não passou de mais uma lenda urbana:

Recortes de jornais que noticiaram o boato, em 2009! (foto: Reprodução/PousoAlegre.Net)

Veja um resumo em vídeo:

@efarsas

A lenda da mulher que foi contaminada pelo marido que trabalha no IML!

♬ som original – Gilmar Lopes

Conclusão

Não há elementos que comprovem que uma mulher foi contaminada com uma bactéria presente apenas em cadáveres após ter relações com o marido necrófilo! Essa história é derivada de uma lenda urbana surgida há mais de 3 décadas e, a cada ano, ganha uma nova versão!

Gilmar Henrique Lopes é Analista de Sistemas e, em 2002, criou o E-farsas.com (o mais antigo site de fact checking do país!) que tenta desvendar os boatos que circulam pela Web. Gilmar é o autor do livro "Caçador de Mentiras" pela Editora Matrix e da aventura de ficção infantojuvenil "Marvin e a Impressora Mágica"!

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