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A Lei de Benford descobriu fraudes nas urnas eletrônicas?

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A Lei de Benford descobriu fraudes nas urnas eletrônicas?

A Lei de Benford descobriu fraudes nas urnas eletrônicas?

Dois vídeos mostram que pesquisas feitas com supercomputadores utilizando a Lei de Benford comprovaram que as eleições foram fraudadas! Será verdade?

No mês de outubro de 2018, dois vídeos publicados no YouTube deixaram muita gente ainda mais desconfiada com as urnas eletrônicas. Um senhor de cabelos grisalhos explica que, assim como teria ocorrido nas eleições presidenciais de 2014, as votações do primeiro turno de 2018 teriam grandes chances de terem sido fraudadas.

O homem, que se apresenta como ex-delegado, pós doutor e professor, aparece na frente de um fundo escuro, afirmando que graças à Lei de Benford, ficou evidente que as eleições de 2014 tiveram alta porcentagem de terem sido fraudadas e que uma nova pesquisa iria acompanhar as eleições de 2018.

No primeiro vídeo, o homem afirma que o sistema antifraude dele iria pegar os dados do TSE em tempo real e com computadores superpotentes acompanhar se houve ou não fraude nas urnas.

Será possível se determinar que houve fraude nas eleições apenas se baseando na lei de Benford?

Verdade ou mentira? Para entender isso e como funciona a interessante Lei de Benford, assista ao nosso vídeo abaixo:

Verdade ou mentira?

Antes de começar a entrar no assunto, gostaríamos de relembrar o que já dissemos aqui no E-farsas diversas vezes: Nenhum sistema é 100% confiável, mas que até hoje não houve nenhuma prova de que tenha havido fraude desde a implantação das urnas eletrônicas. Já falamos sobre isso aqui, aqui e aqui!

As urnas eletrônicas brasileiras são 100% seguras?

Pra quem tiver curiosidade, fizemos outro vídeo recentemente falando um pouco sobre a possibilidade ou não de se fraudar as eleições. Clique no player abaixo:

Outra coisa que queremos deixar claro aqui é que não somos partidários e que não estamos ganhando nada do governo pra falar sobre algo aqui no canal. Inclusive, o E-farsas foi convidado para uma reunião no TSE, em Brasília, juntamente com vários jornalistas, para sugerir algumas atitudes do Tribunal Superior Eleitoral para dar mais transparência nas eleições, como a impressão dos votos e a liberação do código-fonte das urnas.

Vamos lá com as explicações?

A Lei de Benford ou lei do primeiro dígito prevê que em grandes quantidades de números aparentemente desordenados a quantidade do primeiro dígito ser 1 é maior do que ser o número 2 que é maior que o número 3 e assim por diante:

Representação gráfica da Lei de Benford! (foto: Reprodução/Wikipedia)

Em 1881, o astrônomo Simon Newcomb percebeu que as primeiras páginas de livros de logaritmo eram muito mais utilizadas do que as últimas páginas. Como antigamente não havia calculadoras, os livros de consulta de logaritmos eram uma maneira mais rápida de se fazer cálculos de multiplicação de grandes números.

Livro de logaritmos (foto: Reprodução/Wikipedia)

Newcomb então começou a elaborar uma teoria mostrando que  qualquer lista de números tirados de um conjunto aleatório números que começam com ‘1’ tende a ser maior do que os demais.

Esse fenômeno foi deixado de lado até 1938, quando o engenheiro elétrico e físico Frank Benford resolveu estudar a teoria de Newcomb e, após coletar dados de rios, tamanho de populações de cidades dos Estados Unidos, pesos moleculares e mais bom tanto de dados aleatórios até concluir que a quantidade de números 1 em cada um desses conjuntos era maior do que os números começados por 2 e assim por diante.

Onde a lei de Benford não pode ser aplicada?

É bom dizer que a Lei de Benford não se aplica em todos os casos. Por exemplo, se pegarmos a altura de todos os seres humanos adultos, o primeiro dígito será muito maior do que os demais, visto que a altura média da gente é maior que 1 metro e menor do que 2.

Também não podemos encontrar a presença da Lei de Benford em números sequenciais. Em números de celular também não dá, porque quase todos os números de celular no Brasil começa com o 9.

Se a gente pegar todos os números que já foram sorteados na Megasena até hoje, vamos constatar que a lei de Benford também não se aplica, porque temos somente números de 1 a 60. Ou seja, o primeiro dígito só pode ser de 1 a 6.

Em uma listagem de preços de 20.000 itens de um supermercado também vamos perceber que essa lei não funciona, pois temos muitos produtos com 99 centavos ou com 1,99.

Sabe onde mais a Lei de Benford não funciona? Em contas com um mínimo ou um máximo ou onde os números são influenciados pelo pensamento humano (por exemplo, por que vou votar no fulano ou no sicrano?)

Além disso, a lei de Benford não é bem observada em conjuntos de dados com menos de 500 transações. Todas as seções eleitorais tem menos que isso de eleitores:

“O Código Eleitoral estabelece no artigo 117 que as seções eleitorais não podem ter mais de 400 (quatrocentos) eleitores nas capitais e de 300 (trezentos) nas demais localidades e nem menos de 50 (cinquenta) eleitores. O número máximo de eleitores por seção subiu para 500 nas capitais após alteração na lei eleitoral..”

No vídeo espalhado nas redes sociais o senhor afirma que a Lei de Benford é usada em julgamentos no Estados Unidos para se comprovar fraudes contábeis, mas não é bem assim. Até hoje, só uma única vez a Lei de Benford foi usada no tribunal.

Em 1993, no estado do Arizona, Wayne James Nelson foi acusado e considerado culpado por roubar o Estado quase US$ 2 milhões, desviando fundos para um vendedor falso. James foi pego por fraudar pagamentos com a intenção de fazê-los parecer aleatórios. Ele quis caprichar demais, não duplicando nenhum valor nos cheques, evitando números arredondados.

Sem perceber, ao caprichar, o fraudado não percebeu que suas escolhas aparentemente aleatórias estavam longe de ser aleatórias. Dá uma olhada no gráfico do primeiro dígito das contas do fraudador junto com a lei de Benford:

(Reprodução/Google Images)

Como já foi dito antes, o fato dos números de eleições baterem ou não com a Lei de Benford não significa que houve ou não fraude!

Para termos certeza, em primeiro lugar, teríamos que pegar umas 3 eleições comprovadamente sem fraude para comparar. Mas mesmo assim, baixamos direto do site do TSE os dados referentes ao primeiro e segundo turno das eleições de 2014 e de 2018.

O próximo passo foi juntar todos esses arquivos no Excel e contar todos os primeiros dígitos que aparecem nos resultados dos votos. Nessa planilha que disponibilizamos para download você pode comparar agora os dados do segundo turno de 2014 com os de 2018.

Para quem quiser verificar esses dados, estamos deixando um link para o Google Planilhas com um resumão.

Não sabemos como o homem do vídeo chegou no número de 73,14% de chances de ter havido fraude no segundo turno das eleições de 2014. Também não sabemos como ele chegou na porcentagem do primeiro turno de 2018.

Quanto ao segundo turno, ninguém até agora levantou a hipótese de ter havido fraudes…

Nessa reportagem do jornal Estadão a seguir podemos ver que o autor dos vídeos levantando suspeitas sobre as eleições não tem todos os títulos que ele alega ter. A gente pode perceber que no segundo vídeo, o senhor já não se apresenta com todos os títulos do primeiro:

https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/video-com-suspeitas-sobre-eleicoes-de-2014-usou-lei-matematica-que-nao-prova-fraude/

Aqui podemos ler outras investigações a respeito do autor dos vídeos:

Alguns teóricos renomados no mundo já provaram que usar a Lei de Benford para tentar encontrar indícios de fraude nas eleições. Michelle Brown, da Universidade de Georgetown, aplicou a tal lei nos dados de votos de uma assembleia nos EUA e descobriu que a Lei de Newcomb-Benford não é confiável para analisar eleições.

Outro estudo, feito por professores da Universidade de Oregon e do Instituto de Tecnologia da Califórnia, nos EUA, confirmou que o conceito é inútil para cenários eleitorais.

Conclusão

O vídeo espalhado nas redes sociais durante o primeiro turno das eleições de 2018 tem todas as características de uma fake news: Um sujeito em um cenário com um fundo sério dá uma carteirada, se apresentando com inúmeros títulos e cargos e mostra um conceito complicado para tentar ganhar a confiança do espectador. No final, ele apresenta apenas um gráfico complexo e diz que ele prova que houve indício de fraude nas eleições.

Mais algumas fontes:

  • https://courses.math.tufts.edu/math19/duchin/dmo.pdf
  • https://docs.google.com/spreadsheets/d/1AchI5zoYquKxSIvbcswpi8OqNqqyT4ad2dmrYymFiqQ/edit?usp=sharing
  • http://www.datagenetics.com/blog/march52012/
  • https://transition.fec.gov/pubrec/fe2016/federalelections2016.pdf
  • https://agupubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1029/2010GL044830
  • https://repository.library.georgetown.edu/handle/10822/557850
  • https://web.archive.org/web/20140517120934/http://vote.caltech.edu/sites/default/files/benford_pdf_4b97cc5b5b.pdf

Gilmar Henrique Lopes é Analista de Sistemas e, em 2002, criou o E-farsas.com (o mais antigo site de fact checking do país!) que tenta desvendar os boatos que circulam pela Web. Gilmar é o autor do livro "Caçador de Mentiras" pela Editora Matrix e da aventura de ficção infantojuvenil "Marvin e a Impressora Mágica"!

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