Conspirações
A USP comprovou mesmo a cura com a energia das mãos?
Estudo científico feito por uma instituição conceituada em São Paulo teria comprovado a eficácia da cura através da energia das mãos! Será que isso é verdade?
A notícia da descoberta feita por um estudo desenvolvido pela Universidade de São Paulo (USP) foi inúmeras vezes compartilhada nas redes sociais, além de ser publicada em vários sites e blogs.
De acordo com o texto, a USP em conjunto com a Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) teria comprovado que a energia liberada pelas mãos teria o poder de curar qualquer tipo de doença! A notícia ainda explica que o trabalho de desenvolvimento dessa pesquisa nasceu de uma tese de mestrado de um pesquisador na Faculdade de Medicina da USP e que foram investigados os possíveis efeitos da prática de imposição das mãos, chamada de Reiki.
O cientista, de acordo com o texto que se espalha pela web, afirmou ter investigado os efeitos da imposição em camundongos, nos quais foi possível observar um notável ganho de potencial das células de defesa contra células que ficam os tumores.
Será que essa notícia é real?
Verdadeiro ou falso?
Apesar do texto afirmar que a descoberta é recente, a notícia não é nova! Circula há anos pela web e, volta e meia, aparece novamente na timeline das redes sociais, além de ser exaustivamente republicada em diversos sites e blogs.
Como já falamos aqui no E-farsas centenas de vezes, as chances de um boato se espalhar aumentam muito se ele não for datado. Como a descoberta foi feita “recentemente”, quem entrar em contato com o texto em 2015, por exemplo, pode achar que se trata de uma notícia nova, e repassar adiante.
Uma rápida busca através do Google e veremos que existem textos semelhantes a esse publicados em 2005…
Além disso, a “reportagem” vincula a “descoberta” a entidades de renome (no caso, a USP e a Unifesp), dando a entender que ambas universidades validaram o estudo. Isso faz com que o leitor tenda a acreditar ainda mais no que está lendo, sem questionar muito.
Origem
Tudo começou em 2003, quando o então mestrando Ricardo Monezi apresentou uma dissertação de Mestrado na Universidade de São Paulo sobre um estudo feito por ele a respeito de técnicas de imposição de mãos (reiki) em camundongos que, de acordo com esse seu estudo, tiveram um aumento na resistência imunológica e chegando a dobrar a sua capacidade de reconhecer e destruir células cancerígenas.
No trabalho, Monezi explica, erroneamente, que animais são imunes ao efeito placebo e que o resultado do seu trabalho só comprovaria que o reiki funciona mesmo:
“O animal não tem elaboração psicológica, fé, crenças e a empatia pelo tratador. A partir da experimentação com eles, procuramos isolar o efeito placebo”
Logo no início de sua dissertação, Monezi já faz uma afirmação falsa, pois já foi comprovado que animais também estão sujeitos a efeitos similares ao placebo, como podemos ver aqui, aqui, aqui, aqui e aqui. Também foram feitos alguns estudos em diversos países, como na Grã Bretanha por exemplo, sobre o efeito placebo e foram usados animais, conforme explicou a BBC.
Falhas na metodologia
Além disso, a metodologia usada por Monezi não respeitou os testes de duplo-cegos (onde tanto o animal quanto administrador não sabem quem está aplicando o reiki ou não).
Outras falhas no estudo feito pelo mestrando são a observação seletiva e a tendência à confirmação, onde o pesquisador fica “torcendo” e dando uma “ajudinha” para que suas suposições deem certo (muitas vezes, até de forma inconsciente). Tudo isso influencia no resultado de qualquer estudo.
Já mostramos aqui no E-farsas o caso de um estudante colegial que tentou provar que a água fervida no microondas faz muito mal para as plantas. Na época, mostramos que até o simples fato do testador querer que sua hipótese se confirme já pode interferir no resultado.
Esse excelente artigo do Bule Voador, de 2012, aponta várias falhas na metodologia da dissertação entregue por Monezi à USP. Dentre elas, citamos algumas abaixo:
- O tamanho amostral utilizado (20 indivíduos/grupo) foi pequeno o suficiente para que flutuações estatísticas pudessem ser significativas;
- não há nenhuma referência a medidas para prevenir contaminação cruzada das amostras;
- O autor falhou em corrigir seus valores de significância para múltiplas hipóteses.
- O trabalho testa uma grande quantidade de hipóteses mal-definidas, frisa aquelas onde anomalias foram observadas, e busca – na discussão final, a posteriori da execução dos experimentos – ajustar quaisquer conjecturas às observações, o que é uma prática falaciosa de análise conhecida como caça por anomalias;
A Ciência não comprova definitivamente
O verbo “comprovar” é meio perigoso de ser usado na ciência, pois nunca se prova definitivamente uma teoria científica. O legal da ciência é que ela é, ao contrário de certos dogmas seculares, autocorretiva – o que significa que teorias científicas com suas hipóteses são refutadas (ou corroboradas) constantemente por diversos cientistas no mundo todo.
Quando uma hipótese é refutada ela dá lugar a novas teorias (ou a mesma teoria é melhorada), até que seja corroborada. Isso é feito através de testes, cálculos, ensaios… Tudo deve ser provado e explicado de forma que possa ser reproduzido por outros cientistas em qualquer parte do mundo e os resultados obtidos devem ser os mesmos.
O título da matéria que se espalha pela web a cada ano e usa frases de impacto como “USP comprova” já vem com dois erros: Um, dizendo que a USP comprovou (e, como sabemos, nunca podemos comprovar definitivamente, na ciência), e o outro erro – como falamos lá no começo desse artigo – foi o uso da falácia do apelo à de autoridade (dando a entender que, “se a USP disse, quem sou eu pra contestar”).
A tese do mestrando foi entregue à banca examinadora da USP e não foi publicada em nenhuma revista científica brasileira ou estrangeira (aqui no Brasil, somente a revista Galileu parece ter se interessado pelo assunto). Isso quer dizer que a ciência parece não ter se interessado pelo trabalho que a USP teria aprovado!
Uma descoberta dessa seria um grande avanço na área médica! Imagine que há uma energia solta espalhada pelo ar (energia essa, invisível e indetectável por nenhum aparelho conhecido pelo homem até agora) e, com apenas uma imposição de mãos, essa energia reconheceria a doença que o paciente tem e “sozinha” curaria a enfermidade!
Seria uma enorme economia em equipamentos, remédios, anos de estudo da medicina… É claro que muitos conspiracionistas podem alegar que a máfia da indústria farmacêutica não deixa trabalhos como esse se espalhar, com medo da falência, mas acredite: Se a cura pela imposição de mãos fosse possível, muitas empresas já teriam ganhado rios de dinheiro criando aparelhos para potencializar tais energias (se bem que tem muitos charlatães que ganham uma grana com falsas promessas de curas milagrosas).
- Como funciona essa tal energia invisível, insípida, inodora e indetectável?
- Como ela age no organismo?
- Qualquer pessoa pode curar outras pessoas?
- O reiki pode curar qualquer doença? Pode curar uma cárie, por exemplo?
O reiki ou a técnica da cura através da imposição de mãos foi criado em 1922 pelo monge budista japonês Mikao Usui. De lá para cá, não há nenhum estudo científico que conseguiu provar que esse tipo de tratamento possui alguma eficácia na cura de nenhuma doença (além do efeito placebo, é claro).
Conclusão
A USP não comprovou que a cura através da imposição de mãos funcione. Na verdade, esse boato surgiu de uma dissertação de mestrado de um aluno da Universidade de São Paulo, que não se confirmou. Não há nenhum problema em ser tratado através do reiki. Só não abandone os tratamentos convencionais para se tratar apenas com essas simpatias!