Conheça a verdade sobre a “ingrata posição” do homem “petrificado” de Pompeia!
Uma foto mostrando o que seria um homem “petrificado” da antiga cidade de Pompeia, na Itália, numa posição um tanto quanto ingrata, circula desde meados de 2017 na internet e nas redes sociais. A versão mais popular, embora grotesca, é que o homem estaria estimulando seu órgão genital com a intenção de se satisfazer sexualmente. Acho que vocês já entenderam onde queremos chegar, não é mesmo?
Confiram a imagem abaixo:
Entretanto, será que o homem “petrificado” foi pego desprevenido por uma explosão piroclástica num momento de prazer? Será que ele foi realmente petrificado, ou seja, estamos diante de um corpo humano que simplesmente virou pedra? Descubra agora, aqui, no E-Farsas!
A Destruição de Pompeia
Para quem não sabe ou não se lembra, Pompeia foi destruída durante uma grande erupção do vulcão Vesúvio, numa trágica noite de 79 d.C. Na fase inicial da erupção, muitas pessoas morreram como consequência do desabamento de telhados e pavimentos pelo acúmulo de pedras e cinzas. Nas horas seguintes, os habitantes que não conseguiram escapar foram soterrados por explosões piroclásticas, que são fluxos compostos de gás muito quente e piroclastos (cinza e pedra) que podem viajar acima de 150 km/h. Essa combinação é extremamente letal e devastadora.
Além de Pompeia, cidades como Herculano e Oplontis também foram soterradas em decorrência da erupção do Vesúvio. No caso específico de Pompeia, estima-se que 12 mil pessoas moravam na cidade, mas cerca de 10 mil teriam conseguido escapar com vida ao fugirem, às pressas, nos primeiros sinais de que algo pior poderia acontecer. Assim sendo, a cidade de Pompeia acabou se tornando um triste sepulcro para mais de duas mil pessoas.
A Redescoberta de Pompeia
O soterramento de Pompeia foi tão impressionante, que somente séculos mais tarde é que a localização da antiga cidade foi redescoberta. Primeiramente, de forma acidental, pelo arquiteto Domenico Fontana, em 1599, durante a construção de um aqueduto.
Domenico chegou a escavar alguns afrescos, mas mandou cobrir tudo novamente. Alega-se que o motivo teria sido tanto para preservar o material quanto para escondê-lo devido a forte conotação sexual que eles tinham. A segunda vez, de maneira intencional, ocorreu em 1748, durante as escavações do engenheiro militar espanhol Rocque Joaquin de Alcubierre.
A cidade de Herculano, por exemplo, tinha sido descoberta 10 anos antes, em 1738, de forma acidental, por operários que escavavam as fundações do palácio de verão do rei de Nápoles, Carlos III. As duas cidades passaram então a ser exploradas, revelando muitas construções e pinturas intactas. Carlos III demonstrou bastante interesse nas descobertas, mesmo após se tornar rei da Espanha, visto que a exibição das antiguidades reforçava o poder político e cultural de Nápoles.
Enfim, com certeza vocês encontrarão mais informações históricas sobre Pompeia na internet! Vamos ao que interessa, antes que a publicação fique demasiadamente longa!
Verdadeiro ou Falso?
Fora de Contexto! O homem não estava se satisfazendo sexualmente; pelo contrário, aquela posição denota algo muito trágico e sombrio do que vocês pensam. Além disso, não estamos exatamente diante de um corpo humano petrificado, mas de um molde de gesso de uma vítima da erupção!
Vamos explicar direitinho essa história para vocês!
Os Moldes de Gesso de Pompeia
Em 1860, as escavações de Pompeia foram assumidas por um arqueólogo italiano chamado Giuseppe Fiorelli. Ele introduziu um sistema totalmente novo de escavações. Em vez de escavar e expor primeiramente as ruas, para posteriormente escavar as casas de baixo para cima, ele impôs um sistema de escavar as casas de cima para baixo – uma forma que provou ser melhor para preservar o que havia restado da antiga cidade.
A Técnica de Fiorello
Entretanto, Fiorello ficou mais conhecido por seus moldes em gesso. Isso porque os corpos das vítimas do Vesúvio foram cobertos por cinzas vulcânicas, que se solidificaram ao redor deles. Conforme a carne, órgãos internos e roupas decompunham-se, restava apenas um “espaço vazio” no lugar. Esse “espaço vazio” criou uma espécie de impressão negativa exata da forma dos cadáveres na hora da morte.
Fiorello desenvolveu um técnica que preenchia o espaço deixado pelo corpo com gesso de Paris. Então, as cinzas ao redor do gesso eram cuidadosamente removidas para que permanecesse uma réplica de gesso de uma pessoa ou animal no momento de sua morte (ou relativamente próximo desse momento). Interessante, não é mesmo? Confiram algumas fotos desses moldes de gesso:
Diferentemente das fotos anteriores, nessa foto podemos ver o que seria a camada original e solidificada de cinzas vulcânicas em volta do “espaço vazio” que foi deixado pelos corpos de pessoas e animais.
Ossos e Dentes Foram Relativamente Bem Preservados
E por qual razão colocamos “espaço vazio” entre aspas? Porque os ossos e até mesmo dentes, embora frágeis, foram relativamente bem preservados. Para mais informações, recomendo que acessem um interessante artigo que fiz para um outro blog, em outubro de 2015.
Mais de 1.000 Corpos Descobertos
Mais de 1.000 corpos foram descobertos ao longo do tempo, mas o método de Fiorello foi utilizado apenas em cerca de 100 deles. Diga-se de passagem, a maioria dos moldes foi feita no século XIX, o que ajudou consideravelmente na preservação histórica do que restou dos corpos.
Em 1984, foi utilizada resina para fazer um dos moldes, o que permitiu que o cabelo, incluindo um grampo preso ao mesmo pudessem ser visualizados. Contudo, criar um molde em resina é mais difícil e bem mais caro, logo a opção pelo gesso sempre foi a mais viável. Segundo o site “Atlas Obscura“, embora Pompeia continue sendo escavada até hoje (mais de 3/4 de uma área de 650.000 m²), novos moldes, em princípio, não estão sendo feitos devido a fragilidade, tanto dos ossos quanto das estruturas, que recobrem os restos mortais das vítimas do Vesúvio.
Agora que vocês sabem que não estamos diante do corpo de um homem “petrificado”, vamos mostrar a origem da foto que até hoje é retirada do seu contexto original.
A Origem da Foto Retratando uma Suposta “Ingrata Posição”
A descrição que acompanha a foto é de autoria do professor Massimo Osana, diretor do sítio arqueológico. Confira o que ele disse:
“Pompeia, Insula Occidentalis. Molde de gesso de uma vítima da erupção“
Ao publicar essa foto, Massimo Osana muito provavelmente não pensou que precisaria dar explicações detalhadas sobre a postura do que um dia foi uma pessoa de carne e osso. Provavelmente, ele também não imaginou o que aconteceria menos de um mês depois da publicação da foto.
A Viralização da Foto das Redes Sociais com um Contexto Totalmente Estapafúrdio
Conforme vocês poderão ver abaixo, a foto foi contextualizada de uma maneira totalmente estapafúrdia:
Qualquer pessoa que se informasse sobre o que aconteceu em Pompeia, o drama vivido pela população local, as cenas lamentáveis de corpos retorcidos de adultos, crianças e animais, jamais pensaria algo dessa natureza. Isso é algo totalmente incabível e absurdo diante de uma situação de caos que Pompeia e cidades vizinhas se encontravam. Ah, mais um detalhe importante: o tuíte dessa usuária é compartilhado até hoje!
Alguns perfis no Twitter, a exemplo do “History Lovers Club“, que frequentemente publica fotos “históricas” com contexto totalmente fora do original, ajudam a perpetuar essa versão até hoje. Confiram a insistência do “History Lovers Club” em propagar essa versão para a foto (1, 2):
Entretanto, algo ainda pior aconteceria para alimentar essa sandice. Alguns sites, inclusive acostumados a divulgar informações de cunho científico, aproveitaram a viralização para deixar os leitores em dúvida, alegando que talvez nunca soubéssemos a realidade por trás da posição do tal “homem petrificado”.
A Péssima Divulgação por Parte de Alguns Sites na Internet
No dia 3 de julho de 2017, o escritor e jornalista James Felton publicou um artigo intitulado “This Image Of A Man Preserved At Pompeii Has Gone Viral For Obvious Reasons” (“Esta imagem de um homem preservado em Pompeia se tornou viral por razões óbvias”, em português), no site “IFL Science“. A proposta desse site seria mostrar o “lado divertido da ciência”. Contudo, ao longo dos anos, esse site se mostrou ser, inúmeras vezes, muito mais uma fonte de desinformação do qualquer outra coisa.
Eis um trecho do que James Felton publicou:
“(…) De qualquer maneira, as pessoas parecem concordar que não é a morte mais digna possível e estiveram fazendo piadas sobre o pobre homem durante todo o fim de semana. Provavelmente nunca saberemos o que o homem estava realmente fazendo, mas é perfeitamente possível que o homem tenha sido morto enquanto se masturbava ou que seu corpo simplesmente tenha caído dessa forma naturalmente (…)“
Um Péssimo Exemplo a Ser Seguido
Naquela época, aqui no Brasil, diversos sites seguiram o péssimo exemplo do “IFL Science“. O site “Mega Curioso“, por exemplo, publicou um artigo intitulado “Este homem morreu em Pompeia na posição mais ingrata possível“, no dia 4 de julho de 2017, e obteve mais de 2 mil compartilhamentos. Confira um pequeno trecho do artigo:
“Ainda que seja visível que o rapaz esteja de pernas abertas e com a mão na região genital, é impossível precisar que ele realmente estivesse em um momento de autossatisfação. Muita gente opinou nas redes sociais dizendo que ele deveria ter procurado seus familiares na hora da explosão e que, na verdade, ele estava somente protegendo seu bem mais precioso. Será? O que você acha?“
Qual a fonte? O site “IFL Science“.
Agora, notem o que os sites “Jornal Ciência” e da “Revista Galileu” publicaram nos dias 7 e 10 de julho de 2017, respectivamente:
“É bem provável que nunca saibamos o que o homem realmente esteve fazendo no momento de sua morte, mas é perfeitamente possível que estivesse se masturbando quando as cinzas do Vesúvio lhe cobriram, ou que seu corpo simplesmente tenha caído naturalmente em tal posição.” – Jornal Ciência.
“Os internautas têm especulado: será que o homem estava mesmo fazendo um último gesto de amor próprio? Isso ninguém nunca saberá, mas que parece, parece.” – Revista Galileu.
E qual a única fonte utilizada por ambos os sites? Novamente, o “IFL Science“.
Finalmente uma Luz no Fim do Túnel?
Os artigos que acabamos de mencionar nunca foram atualizados com uma resposta, embasada cientificamente (veremos isso daqui a pouco), fornecida pelo vulcanólogo Pier Paolo Petrone, que vinha estudando as vítimas de Vesúvio há 25 anos. Sua opinião sobre a foto foi publicada no dia 3 de julho de 2017, no site “Daily Dot“. Considerando que, ao menos as publicações brasileiras citadas são posteriores a essa data, aparentemente, ninguém se importou muito em oferecer uma dose de realidade aos seus respectivos leitores.
Eis a opinião de Petrone:
“Não há provas sobre nenhum ‘homem se masturbando’, e está fora de cogitação discutir tal afirmação (espero que seja uma piada, ainda que péssima) de algum jovem desocupado.
O indivíduo na foto é um homem adulto, morto pela onda piroclástica quente (gás quente e nuvens de cinzas que mataram a maioria da população que vivia ao redor do Monte Vesúvio), com os braços e as pernas flexionados devido ao calor“
Petrone ainda explicou que “a maioria das vítimas humanas encontradas em Pompeia geralmente apresenta uma posição ‘estranha’ de braços e pernas, devido à contração dos membros como consequência do efeito do calor em seus corpos após a morte“. Ainda que o homem estivesse fazendo o que foi alegado, quando uma quarta onda piroclástica devastou Pompeia, temperaturas de 260ºC teriam contraído e dobrado seus membros. Suas mãos podem ter acabado em tal posição, mas isso quase certamente aconteceu post-mortem, não na hora da morte.
O Estudo que Corrobora com a Opinião de Pier Paolo Petrone
A opinião de Pier Paolo Petrone tem embasamento científico. Ele participou de um estudo muito interessante intitulado “Lethal Thermal Impact at Periphery of Pyroclastic Surges: Evidences at Pompeii“, que foi publicado no periódico científico “PLOS ONE“, em junho de 2010, cerca de sete anos antes dessa polêmica sobre a foto começar.
A Quarta Onda
O estudo foi liderado por Giuseppe Mastrolorenzo, do Instituto Nacional Italiano de Geofísica e Vulcanologia. Ele e seus colegas concluíram que a erupção do Vesúvio, que fica localizado a cerca de 10 km de Pompeia, produziu seis ondas piroclásticas diferentes. A maior parte das mortes ocorreu durante a quarta onda piroclástica. A análise de depósitos de cinzas e simulações computacionais das ondas sugeriram que Pompeia estava no limite do alcance dos fluxos. Isso significa que a quarta onda era fraca demais para derrubar edificações.
Entretanto, segundo Mastrolorenzo, durante a quarta onda as temperaturas alcançaram até 300ºC, ou seja, mais do que suficiente para matar centenas de pessoas numa “fração de segundos”. Cerca de três quartos das vítimas conhecidas de Pompeia ficaram “congeladas em ações suspensas” e mostram evidências de contrações musculares repentinas, assim como os dedos dos pés retorcidos.
“Até agora, os arqueólogos as interpretaram erroneamente como sendo pessoas que lutavam para respirar e acreditaram que tivessem morrido sufocadas pelas cinzas. Agora, sabemos que isso não pode ter acontecido“, disse Mastrolorenzo.
Ainda segundo o vulcanólogo, devido ao calor extremo, quando a onda piroclástica atingiu Pompeia, não houve tempo para sufocamento. As posturas contorcidas não são efeitos de uma longa agonia, mas do espasmo cadavérico, uma consequência do choque térmico nos cadáveres.
Justiça Seja Feita
Nem todos os sites cometeram a bizarrice de cogitar a hipótese de que uma vítima do Vesúvio estava se satisfazendo sexualmente em meio ao caos. Outros sites além do “Daily Dot” divulgaram essa história de maneira mais sensata e embasada cientificamente. Entre eles podemos citar a “BBC“, o site de verificação de fatos “Snopes“, além dos sites brasileiros “Hyperscience” e “Aventuras na História“.
O Snopes, por exemplo, ainda chegou a apontar a foto de um outro molde de gesso com posição semelhante a foto que viralizou na internet.
Conclusão
Fora de Contexto! O homem não estava se satisfazendo sexualmente; pelo contrário, aquela posição denota algo muito trágico e sombrio. O indivíduo na foto é um homem adulto, morto pela onda piroclástica quente (gás quente e nuvens de cinzas que mataram a maioria da população que vivia ao redor do Monte Vesúvio), com os braços e as pernas flexionados devido ao intenso calor. Suas mãos podem ter acabado em tal posição, mas isso quase certamente aconteceu post-mortem, não na hora da morte.
Além disso, não estamos exatamente diante de um corpo humano petrificado, mas de um molde de gesso de uma vítima da erupção!