Crianças estão sendo vítimas do suposto “Desafio da Momo”?
Ainda que já tenhamos abordado esse assunto numa matéria anterior, e mostrado detalhadamente que na prática o “Desafio da Momo” nunca existiu, esse assunto continua rendendo manchetes de cunho totalmente alarmista e sensacionalista pelo Brasil (leia mais: “Momo invadiu o YouTube Kids e está ensinando crianças a se matarem?“). Tal situação continua propagando um ambiente perigoso de histeria coletiva promovido por parte da mídia, pais e, inclusive, educadores.
Também mostramos naquela mesma matéria, que nunca houve evidências concretas de que realmente existiram vídeos infantis publicados e acessados através do aplicativo “YouTube Kids”, que contivessem inserções maliciosas da “Momo” orientando crianças a se suicidarem no período entre o início de fevereiro e início de março deste ano. Tudo indicava, que os vídeos disseminados por pais e por grande parte de mídia eram falsas inserções criadas posteriormente a viralização do tema, utilizando trechos de vídeos infantis, e disseminadas através do Facebook, Twitter ou grupos do WhatsApp, de modo a aparentar que tivessem sido extraídas de vídeos publicados no “YouTube Kids” e no próprio YouTube convencional.
Em mais uma tentativa de mostrar a realidade por trás do que é divulgado, vamos abordar quatro casos envolvendo crianças, que segundo a especulação irresponsável promovida por uma parte da imprensa brasileira, supostamente teriam sido vítimas do “Desafio da Momo”. Esse é um assunto extremamente delicado e tentaremos abordá-lo da maneira mais responsável, respeitosa e ao mesmo tempo completa possível. Enfim, será que alguma criança foi ferida ou acabou morrendo devido ao tal “Desafio da Momo”? Descubra agora, aqui, no E-farsas.
#1 – O Caso Ocorrido na Cidade de Goioerê, no Estado do Paraná
Goioerê é um pequeno município do Paraná, localizado a 530 km a noroeste de Curitiba, cuja estimativa populacional em relação ao ano de 2018 era de pouco menos de 29 mil habitantes.
Essa pequena cidade paranaense acabou sendo destaque na mídia, por volta do dia 18 de março (três dias após a viralização promovida pelo site e página do Facebook da Revista Crescer), devido a um suposto caso de tentativa de suicídio infantil. Um menino de 4 anos supostamente teria cortado os pulsos, de maneira superficial, com uma faca e, posteriormente, teria tentado estrangular o pai.
Fizemos uma Postagem Sobre Esse Caso!
O Gilmar Lopes, proprietário do site E-Farsas, escreveu um artigo sobre esse assunto (leia mais: “Um menino de 4 anos cortou os pulsos em Goioerê por causa da Momo?“), no qual não foram encontradas quaisquer informações sobre esse caso em jornais locais. Tais informações partiram de sites como o VVale e o Goio News, e foram replicadas pelo site de notícias Massa News.
Um menino de 4 anos cortou os pulsos em Goioerê por causa da Momo?
Havia, evidentemente, notórios problemas em potencial (“red flags“) em toda essa história. Foi mencionado, por exemplo, que “os pais tinham visto um alerta relatando que vídeos de conteúdo infantil estavam sendo interrompidos com a boneca Momo, com cenas ensinando a prática do suicídio para crianças“.
Em primeiro lugar, a “boneca Momo” em si, não existe, o que existiu no ano passado foi uma escultura japonesa, que alguém, em algum momento, atribuiu de maneira inapropriada todo um contexto de terror virtual, que ela não tinha. Em segundo lugar, tal alerta foi baseado apenas em relatos divulgados na mídia, jamais em evidências concretas.
Em seguida foi alegado, que apesar do menino de 4 anos não falar, os pais acreditavam que isso teria o incentivado a cortar os pulsos. E qual a explicação para a tentativa de estrangular o pai? Não houve.
A Divulgação por parte do “Massa News” e da “Catve”
Essa situação de credibilidade da informação piorou substancialmente, quando o site de notícias “Massa News” entrou em contato conosco explicando, que teria falado com exclusividade com a mãe do garoto, e que ela teria confirmado a ocorrência do incidente. Só havia um problema: o link repassado era de um site parceiro do próprio “Massa News”, chamado “Catve“, que alegava ter falado com a mãe do menino.
Intitulado “Menino que tentou suicídio ficava horas vendo vídeos na internet, diz mãe” (repararam no “, diz mãe”? Isso faz vocês lembrarem de alguma coisa?), o texto dizia que o incidente teria ocorrido no dia 9 de março (embora tenha sido divulgado somente após a viralização promovida pela revista Crescer). A mãe teria dito que estava fazendo crochê, enquanto o filho assistia vídeos pela internet, quando o menino a procurou com os braços ensanguentados.
Questionado sobre o que havia acontecido, ele teria dito: “Eu cortei com a faca“. Esse é um ponto interessante, porque anteriormente o menino não falava, mas no texto da Catve ele repentinamente passou a falar.
Também foi mencionado que os ferimentos eram apenas superficiais. A mãe teria limpado os braços da criança, feito curativos e horas depois, o menino de 4 anos que não falava, teria discutido com o pai, e teria tentado asfixiá-lo. Estranhamente, a mãe não teria procurado um médico, mas tão somente um pastor. Qual pastor? Também não sabemos.
O Conselho Tutelar foi acionado?
Depois do ocorrido, o menino teria passado a frequentar normalmente a escola. A Catve disse que chegou a procurar o Conselho Tutelar de Goioerê, mas que o caso não havia chegado ao conhecimento das autoridades.
Enfim, isso abre margem para três interpretações distintas:
- O Conselho Tutelar entendeu que o caso é falso;
- O Conselho Tutelar e demais autoridades competentes assumiram a responsabilidade de não investigar um caso verdadeiro, e permitiram que um menino de 4 anos, que teria cortado superficialmente os pulsos com uma faca e agredido o próprio pai, retornasse normalmente ao convívio com outras crianças;
- O Conselho Tutelar investigou posteriormente o caso e a imprensa deixou de acompanhar a situação.
Sinceramente, é difícil dizer qual das três interpretações é a pior.
A Realidade por Trás da Especulação
Até o momento, a única coisa que existe sobre esse caso é uma tentativa extremamente forçada de tentar validar a viralização promovida pela revista Crescer. Nada além disso. Temos um caso onde não há a confirmação ou investigação por parte de qualquer autoridade pública; não sabemos o que de fato aconteceu; o que realmente o menino, que não falava, mas repentinamente passou a falar, viu, ou qualquer outro elemento comprobatório que possa estabelecer uma sólida relação entre a “Momo” e essa suposta tentativa de suicídio.
Tudo o que temos é o suposto relato de uma mãe (uma vez que não sabemos quem ela é), e uma alegação final dela onde foi mencionado, que o filho pedia para dormir com os pais devido ao medo que os “bichos” aparecessem. Quais “bichos”? Novamente, ninguém sabe. Portanto, não há um único indicativo que a recente viralização da “Momo” no Brasil tenha contribuído para tal incidente, caso realmente tenha acontecido conforme divulgado pela imprensa.
#2 – O Caso Ocorrido em Mundo Novo, no Estado do Mato Grosso do Sul
Mundo Novo é um pequeno município do Mato Grosso do Sul, localizado a 473 km ao sul de Campo Grande, cuja estimativa populacional em relação ao ano de 2018 era de pouco mais de 18 mil habitantes.
Essa pequena cidade sul-matogrossense acabou indo parar no turbilhão da mídia devido a um trágico episódio: uma menina de apenas 11 anos, filha de um policial militar, se matou com a arma do próprio pai, no dia 17 de março (dois dias após a viralização promovida pelo site e página do Facebook da Revista Crescer). No dia seguinte, o portal de notícias “Bhaz” publicou um texto, comentando sobre esse caso e o anterior (o de Goioerê), e fez a seguinte e indevida especulação, ipsis litteris: “Apesar da distância geográfica, os casos podem ter em comum uma personagem já conhecida entre usuários das redes sociais, inclusive no Brasil: a Momo“.
O site de notícias “Notisul”, por exemplo, copiou integralmente o texto do portal “Bhaz”, o que ajudou a disseminar tal especulação. Algo semelhante ocorreu com o site de notícias “Tribuna da Região”, da cidade de Goioerê, que fez o seguinte comentário: “Apesar de não haver qualquer indício de relação direta, a ocorrência em MS coincide com rumores que circularam na internet sobre a veiculação de vídeos com desafios suicidas usando a figura da ‘boneca Momo’”
A Divulgação Mais Responsável do Caso
Quem divulgou esse caso de maneira mais responsável foram os sites “G1” e do jornal “Correio do Estado”.
Com o título “Polícia investiga morte de menina de 11 anos com arma do pai em município de MS“, o G1, em 18 de março, noticiou o falecimento da menina dizendo que a perícia esteve no local, e o corpo foi encaminhado ao Instituto de Medicina e Odontologia Legal (IMOL) em Dourados, na região sul do estado.
“A investigação se estendeu até esta madrugada e ainda consta como morte a esclarecer. A arma de fogo é uma Taurus .40, que não é de fácil manuseio. A pessoa precisa ter uma certa habilidade para carregá-la e, em tese, possui um ferrolho bem pesado e que teria sido manipulado mais de uma vez. Precisamos, antes de tudo, aguardar o laudo da perícia“, disse a delegada Allana Zarelli, responsável pelo caso.
Em uma conversa informal no imóvel, a mãe da vítima falou que ela tinha muito orgulho pelo fato do pai ser policial militar, porém nunca teve contato com a arma.
“Nós recolhemos o aparelho celular da adolescente, além do computador e outro objetos. Hoje serão ouvidos um casal de amigos que estavam na casa, na sala e tomando chimarrão em companhia dos fatos, além de pedirmos para o juiz a quebra de sigilo do celular, bem como encaminhar arma para perícia e solicitar exame do resíduo de pólvora“, explicou Allana.
Ainda conforme a polícia, na época, a mãe estava muito abalada e o pai precisou ser internado, já que era diabético e teve um ataque cardíaco
“A mãe nos falou poucas palavras, ressaltando que o pai chorou muito e não aguentou ficar no local, sendo necessária a internação. Ela também disse que houve uma pequena discussão com a menina, já que ela reclamou do barulho e preferiu assistir um vídeo pelo celular, quando a mãe pediu pra ela voltar pra sala e ficar com a família e convidados. No entanto, a mãe fala que não percebeu nada de diferente na menina“, completou a delegada.
Conforme vocês puderam perceber, em nenhum momento a delegada ou o G1 citaram a tal “Momo”.
Ainda no dia 18 de março, o site do jornal “Correio do Estado” publicou uma notícia intitulada: “Polícia Civil apreende celular, computador e caderno de filha de PM“, onde havia a suspeita, vejam bem, suspeita de suicídio. No entanto, outras possibilidades ainda não tinham sido descartadas. Investigadores apreenderam o celular, o computador e um caderno que podiam conter informações, que poderiam auxiliar no esclarecimento dos fatos.
“Ela manuseou a arma para ter certeza de que estava carregada. Ela puxou a pistola e chegou a expelir uma munição”, disse a delegada. A mãe relatou à polícia que a família tinha passado por um domingo normal e, à noite, depois de assistir TV, a criança tomou banho, foi para o quarto sozinha e em seguida houve o disparo.
O site do “Correio do Estado” chegou a cogitar a suposta influência da Momo, porém a delegada deixou claro que ainda não havia informações sobre isso.
Mais Informações Foram Divulgadas pelo Site do Jornal “Correio do Estado”
No dia seguinte (19), o site do jornal “Correio do Estado” publicou mais uma notícia sobre esse caso, intitulada: “Polícia vai investigar círculo social de menina morta“. No texto era mencionado que a Polícia Civil de Mundo Novo buscava, definitivamente, esclarecer se a menina havia ou não se suicidado. Assim sendo, a polícia iria dedicar a semana inteira intuito de apurar todo o círculo social da criança.
A delegada Allana Zarelli e sua equipe iniciaram a coleta dos depoimentos da escola onde a menina estudava. A meta era descobrir se havia tido mudanças de comportamento por parte da menina nos dias ou semanas anteriores para tentar traçar a justificativa de, ao menos, a menina pegar a arma de fogo. Por questões de respeito, apenas amigos dos pais e familiares, que não tinham contato diário com a criança seriam ouvidos. Havia o entendimento de que não era necessário expor colegas de sala, além do pai e da mãe da menina, por conta da situação ser considerada muito traumática.
Um outro objetivo da investigação era recriar o ambiente para entender a dinâmica dos fatos. Para isso, amigos do casal que estavam na casa, em uma visita, também seriam ouvidos.
“Ela estava assistindo desenho animado na televisão e ficou irritada, disse que a conversa (dos adultos) estava atrapalhando. Com isso correu para o quarto com um celular“, disse a delegada. A mãe tomou o aparelho da criança na sequência. Foi depois disso, que houve o disparo.
Várias Linhas de Investigação
A polícia também esperava pela autorização da Justiça para averiguar o celular e computador da jovem. O objetivo da polícia era verificar os dispositivos usados pela vítima para entender se, de alguma forma, ela foi incentivada por terceiros.
“São várias linhas de investigação“, finalizou Allana, referindo-se especificamente a uma hipótese de que o disparo poderia ter sido acidental.
Os peritos já tinham iniciado a averiguação de um caderno usado pela jovem como diário. Os resultados preliminares estavam sendo mantidos em sigilo.
O “Correio do Estado” ainda consultou uma professora da cadeira de Psicologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, chamada Aline Reis, alegando que o cenário pós-tragédia de Suzano agravava, e muito, as coisas. Ainda mais se a criança possuísse fácil acesso às armas, como a menina de 11 anos. Pesquisas feitas por Aline apontavam que meninas buscavam mais o suicídio que os meninos. Porém, eram os meninos que conseguiam os resultados práticos, pois buscavam a forma mais letal, as armas de fogo, em comparação com as overdoses de remédios e afins utilizados pelas meninas.
A Realidade por Trás da Especulação
Novamente, até o presente momento, a única coisa que existe sobre esse caso é uma tentativa extremamente forçada, por parte de alguns sites, em tentar validar a viralização promovida pela revista Crescer. Nada além disso.
#3 – O Caso Ocorrido em São Caeteno do Sul, no Estado de São Paulo
São Caeteno do Sul é município de São Paulo, localizado a 13 km ao sul da capital, cuja estimativa populacional em relação ao ano de 2018 era de pouco mais de 160 mil habitantes.
Alguns sites, incluindo o “Tribuna da Região” (já citado anteriormente), mencionaram o suicídio de uma menina de 10 anos em São Caetano do Sul, no dia 17 de março (dois dias após a viralização promovida pelo site e página do Facebook da Revista Crescer). Um site de notícias chamado “Hoje Mais” chegou, inclusive, a dizer, ipsis litteris: “Dois casos de suicídios, sendo um em MS e um, em SP podem ter relação com ‘boneca momo’“, em uma tentativa de estabelecer alguma conexão.
Entretanto, a história não é bem assim. De acordo com o site “Repórter Diário“, a Guarda Civil Municipal (GCM) foi acionada por volta das 9h, do dia 17 de março, devido a uma ocorrência de tentativa de suicídio. Quando chegaram ao local, a menor já estava morta.
Segundo o relato do pai da criança, enquanto ele se preparava para tomar banho, a garota foi até o quarto e pegou a arma que estava sem munição. A menina colocou as balas. Um tiro foi ouvido. O homem (que não teve a identidade revelada) correu e avistou o corpo no chão.
#AoVivo: Menina de 10 anos se mata com revólver do pai no bairro São José em São Caetano. Ela deixou duas cartas. #RDTV com Leandro Amaral. Leia mais: http://rd.abc.br/2644112/
Posted by Jornal Repórter Diário on Sunday, March 17, 2019
Segundo os GCMs que averiguaram a ocorrência duas cartas foram encontradas na casa e seriam utilizadas para as investigações. O relato de vizinhos mostrava, que a menina falava abertamente há muito tempo sobre o assunto (sobre se matar). A mãe da criança faleceu há oito meses, mas ainda não havia uma confirmação se o conteúdo das cartas trazia algum tipo de relação sobre essa situação. A arma estava no nome do pai. Datada do ano de 1992, o armamento não estava com a situação regular. O pai da criança era um funcionário público.
Outros sites de notícias, assim como o “Metrópoles” e “Amigos do ABC” também repercutiram essa notícia e, em nenhum momento, a “Momo” foi mencionada.
A Realidade por Trás da Especulação
Mais uma vez, até o presente momento, a única coisa que existe sobre esse caso é uma tentativa extremamente forçada, por parte de alguns sites, em tentar validar a viralização promovida pela revista Crescer. Nada além disso.
#4 – O Caso Ocorrido em Itapema, no Estado de Santa Catarina
Itapema é um pequeno município de Santa Catarina, localizado a 70 km ao norte de Florianópolis, cuja estimativa populacional em relação ao ano de 2018 era de pouco mais de 63 mil habitantes.
Essa pequena cidade também foi destaque recente na mídia devido a uma tragédia: o aparente suicídio de um menino de 11 anos, na manhã do dia 22 de março (sete dias após a viralização promovida pelo site e página do Facebook da Revista Crescer). Essa notícia chegou ao nosso conhecimento no último sábado (23) devido a publicação de um usuário em nosso grupo no Facebook, no qual ele questionou, após realizar uma pesquisa, a veracidade do caso.
Segundo o portal de notícias “aRede”, moradores de Itapema estariam chocados com esse caso. De acordo com as primeiras informações divulgadas pelo site, o menino teria sido encontrado enforcado no banheiro do apartamento onde morava. Porém, o portal publicou uma foto gigantesca da escultura japonesa e disse, ipsis litteris: “Ainda não foi confirmado, porém especula-se que o óbito possa ter relação com o desafio do ‘Momo’“.
O portal ainda citou um suposto comentário de uma professora da escola da criança, onde ela teria dito através do WhatsApp: “Era um aluno muito tranquilo. Veio à escola ontem. A nossa diretora passou aqui na sala dos professores e disse que foi por causa do desafio da internet“.
Alguns outros sites de notícias e jornais locais também divulgaram essa história e tentaram especular em cima do assunto.
O site “BC Notícias“, por exemplo, divulgou que ao chegar no local a guarnição encontrou o menor em óbito, e a equipe do SAMU já havia prestado atendimento. O corpo do menor estava no chão do banheiro, e foi relatado que a mãe foi a responsável por retirar a corda do pescoço do menino. Ao efetuar contato com a mãe, ela teria relatado, que seu filho era uma criança muito amorosa e que não apresentava nenhum problema psicológico, porém o menino jogava por muitas horas vídeo game online, e havia feito comentários sobre a “Momo” na noite anterior, mas que o assunto tinha terminado ali.
Posteriormente, por volta de meia-noite e meia, a mãe teria mandado o menino desligar tudo e ir dormir, e também teria ido deitar. Pela manhã, encontrou o menino em óbito. A mãe teria ligado para o SAMU, e posteriormente a Polícia Militar teria sido acionada.
Desde então, diversos sites repetiram as mesmas narrativas. Entre eles podemos citar os sites “Jornal Razão“, “Notisul“, “Maringá na Hora” e “Tribuna de Cianoite“. Talvez, a situação mais caótica partiu do site “Rádio Cidade”, que publicou um curto artigo intitulado: “‘Momo’ faz primeira vítima em SC, um menino de 11 anos”
Nossa Investigação Sobre o Ocorrido
Ainda no sábado (23) fomos atrás desse caso. Inicialmente, havia a suspeita que a história pudesse ter sido “requentada” do ano passado, devido a uma publicação da “Rádio Menina FM” datada de 22 de março de 2018. Contudo, a data correta da publicação é realmente deste ano, ou seja, provavelmente é um erro do próprio site.
Em seguida, encontramos inúmeros indícios de que um menino de 11 anos, chamado M.T., havia realmente morrido: inúmeros perfis de familiares em luto; declaração da avó que havia perdido o único neto; a mãe do menino avisou aos demais parentes e amigos, que o menino tinha sido sepultado no Crematório Vaticano, e um obituário que encontramos confirmando isso (não iremos divulgar quaisquer imagens ou links em respeito aos familiares). Resumindo? De fato, havia a morte de um menino de 11 anos, em Itapema/SC, e que faria aniversário em maio deste ano.
O menino tinha duas contas no Facebook (uma delas aparentemente inativa) e, nesse ponto, é importante ressaltar, que o Facebook exige uma idade mínima de 13 anos para ter uma conta na rede. Ano passado, tanto o Facebook quanto o Instagram anunciaram que iriam banir menores de 13 anos, porém os usuários sempre puderam denunciar casos assim, independentemente da denúncia surtir ou não efeito prático. Ainda que uma mãe crie uma conta em nome do filho, e seja a principal gestora, tal prática não é recomendada, porque viola as regras da rede.
Não encontramos nenhuma citação, no perfil público da mãe (aquele disponível para qualquer pessoa que não faça parte de seu círculo social), atribuindo a morte do filho a “Momo”, apenas uma resposta da avó, para uma conhecida da família, em seu próprio perfil, onde ela disse: “meu único e amado neto… suicidou-se…momo“.
Para sermos justos, a única citação sobre a “Momo”, que encontramos no perfil público da mãe, foi um compartilhamento de um artigo da revista Crescer (para variar, a Crescer sendo mais uma vez citada nesta postagem) de 28 de fevereiro, onde o site da revista citava o alerta de uma escola “irlandesa” sobre o aparecimento da “Momo” no meio de vídeos infantis. A publicação da Crescer é imprecisa, porque a escola citada foi a Northcott, em Hull, na Inglaterra, não na Irlanda. Além disso, o alerta era baseado apenas em relatos divulgados na vil imprensa britânica, não em evidências concretas. Ao compartilhar a publicação a mãe ainda citou: “Para proteger as crianças, especialistas alertam que os pais são o melhor filtro”
Nosso Contato com a Polícia Militar e Civil de Itapema
Tendo isso em mente, na manhã de ontem (24), ligamos para a Polícia Militar e a Polícia Civil de Itapema.
Na Polícia Militar conversei com o Cabo Guerreiro, que me confirmou o que seria, aparentemente, um caso de suicídio de um menino de 11 anos na cidade. Ele não sabia me fornecer maiores informações, apenas o que tinha sido divulgado na imprensa local. Ele também me informou os horários do Comandante Rodrigues, responsável pela 4ª Cia do 12º BPM, e disse que poderia entrar em contato nesta segunda-feira (25). Foi uma conversa de 3 minutos.
Na Polícia Civil conversei com a agente Juliane, e tive uma “longa” conversa de 10 minutos. Ela expôs suas visões pessoais sobre a cobertura da imprensa em relação a esse caso e ao tema do suicídio (algo que ocupou a maior parte da conversa), porque era notável o cansaço dela em atender aos incessantes contatos da mídia e, inclusive, de curiosos sobre esse caso. Enfim, não entrarei em detalhes sobre tais visões, porque é algo particular.
Ela me disse que o celular de criança foi apreendido, sendo que o mesmo possui senha (não foi mencionado se a mãe sabia ou não dessa senha), e foi enviado para a perícia. Segundo ela, nesse momento, qualquer tentativa de associar esse caso com a “Momo ” é tão somente especulação.
Durante a conversa, questionei a Juliane se ela havia tido contato com a mãe e se esta tinha mencionado algo sobre “Momo”. Em um primeiro momento, ela disse que teve contato, mas que a mãe não teria mencionado nada sobre “Momo”. Porém, quando repeti essa mesma pergunta em outro momento da conversa, Juliane disse que não poderia falar nada: nem que sim e nem que não. Enfim, é uma postura normal da polícia não fornecer detalhes para não atrapalhar as investigações. Totalmente compreensível, ainda mais se tratando da morte de uma criança.
A Realidade por Trás da Especulação
Até o presente momento, qualquer tentativa de atribuir esse aparente caso de suicídio a “Momo” é tão somente especulação por parte da imprensa (geralmente escondida atrás de um preguiçoso “, diz mãe”, “, diz leitor”, “, diz um vizinho de um amigo meu” etc.). Oficialmente, até o presente momento, não há nenhuma relação entre o ocorrido e um suposto desafio que, conforme sabemos, na prática, nunca existiu.
Uma Sombria Estatística: O Suicídio de Crianças Entre 0 e 14 anos não é tão Incomum Quanto Algumas Pessoas Acreditam
Muitos pais e educadores adoram compartilhar notícias no Facebook e nos grupos de WhatsApp, porém ignoram, provavelmente por falta de conhecimento sobre o tema, que o suicídio entre crianças de 0 a 14 anos, no Brasil, não é tão incomum quanto se pensa. Apenas não costumam ser divulgados na imprensa.
É muito triste dizer isso, mas segundo dados obtidos através do TABNET (instrumento que possibilita o acesso aos sistemas de informações do SUS, tais como: mortalidade, nascidos vivos, procedimentos ambulatoriais, internações hospitalares, estabelecimentos de saúde, saúde da família, câncer, AIDS, imunização, acidentes de trabalho e violências/acidentes) do DATASUS, em 2016, 149 crianças até 14 anos foram vítimas de autointoxicações ou lesões autoprovocadas intencionalmente (considerando somente as categorias entre X60 a X84, da CID-10), ou seja, cometeram suicídio.
Dos 149 casos, 143 ocorreram com crianças entre 10 e 14 anos. Dez casos foram atribuídos ao disparo de armas de fogo e 104 casos foram atribuídos a enforcamento, estrangulamento ou sufocamento. Isso significa, de maneira genérica, que uma criança entre 0 e 14 anos se mata, em média, a cada 2 dias e meio. Uma média de 12 crianças, nessa faixa etária, por mês.
Apenas para efeitos comparativos, em 2015, foram 135 casos. Em 2014, foram 146 e, em 2013, por exemplo, foram 122 casos. Isso que não estamos considerando os casos onde houve somente uma tentativa de suicídio e tantos outros casos, que podem estar à margem das estatísticas oficiais.
Conclusão
Até o fechamento desta postagem, não há um único caso de suicídio infantil no Brasil, que tenha sido comprovadamente atribuído ao suposto “Desafio da Momo” pelas autoridades competentes. Tudo o que temos é uma onda predatória de divulgação de casos, de uma parte da imprensa que, aparentemente, tenta tão somente capitalizar em torno desse assunto.
Aliás, eis um recado muito importante para alguns pais e educadores, que insistem permanecer em estado de histeria: parem de usar as notícias veiculadas na imprensa sobre o suicídio de crianças para tentar justificar tudo o que vem sendo divulgado sobre a “Momo”. Parem de usar os corpos inocentes de crianças como se fossem buchas de canhão sem nenhum motivo justificável. Parem de tentar justificar, que estão fazendo o certo ao supostamente alertar os demais pais, quando, na verdade, estão estimulando que seus próprios filhos e os filhos de seus amigos e parentes procurem por conteúdo violento na internet. Parem de achar que as crianças são indivíduos com baixa capacidade intelectual. Sim, elas têm medo, mas sabem pesquisar na internet muito melhor que jornalistas de revistas, que se dizem especializadas em crianças. Parem de atribuir tragédias humanas a uma histeria coletiva propagada de forma desenfreada, indiscriminada, covarde e totalmente desinformativa por boa parte da imprensa.
E esse não é apenas o meu “recado”. É o “recado” do Sérgio Matsuura, do jornal “O Globo”, do Rodrigo Hirose, do jornal “Opção”, do Phillippe Watanabe, da “Folha de São Paulo”, do Guilherme Eler, da revista “Superinteressante”, do site “Polígrafo”, e do Rodrigo Ghedin, do site “Papo de Homem”, que escreveram ótimos e elucidativos artigos sobre esse tema.
Portanto, parem. Apenas parem.