Lendas Urbanas
É verdade que utilizamos apenas 10% do nosso cérebro?
Muitas publicações afirmam que o ser humano utiliza apenas 10% da capacidade total do cérebro. Mas será que isso é verdade mesmo ou trata-se de um mito?
Esse assunto circula pela web há anos, mas é muito discutido há séculos: É verdade que os humanos conseguem usar apenas 10% da capacidade de seus cérebros?
De acordo com textos que circulam pela web, com alguns exercícios é possível “treinar” o cérebro para ativar as regiões inativas da massa cinzenta e, dessa forma, desempenhar inúmeras tarefas inatas ao homem como, por exemplo, a telecinesia, a premonição e/ou uma “supermemória“!
Será que isso é verdade ou mais um mito espalhado por aí?
A teoria dos 10% da capacidade mental reapareceu em agosto de 2014, com o lançamento do filme Lucy. Estrelado pela atriz norteamericana Scarlett Johansson, Lucy conta a história de uma jovem que é recrutada para transportar drogas dentro de seu estômago, mas seu corpo acaba absorvendo a substância e a personagem passa a usar 100% da capacidade de seu cérebro, se transformando em uma “supermulher”.
Abaixo, um trailer de Lucy:
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Verdade ou farsa?
A crença de que usamos somente 10% da nossa capacidade cerebral tem várias origens e de diferentes épocas, mas acredita-se que o trabalho do fisiologista francês Jean Pierre Flourens tenha sido um dos pioneiros. Em 1825, ele foi o primeiro a trabalhar no diagnóstico de áreas com lesões no cérebro através da flouresencia. Em experimentos com animais, Flourens tentou mapear áreas dos cérebro responsáveis por determinadas funções. Como na época o fisiologista não conseguiu descobrir a função de muitas partes do órgão, determinou que havia muito “córtex silencioso” dentro do cérebro.
Anos mais tarde, na década de 1890, a dupla de psicólogos William James e Boris Sidis publicou uma pesquisa onde eles afirmavam terem conseguido elevar ainda mais o QI do filho de Sidis Willian (que já demonstrava uma inteligência muito acima da média), apenas submetendo a criança a um ambiente de desenvolvimento acelerado. A ideia era a de que seria possível ativar os 90% das células que estariam ociosas na cabeça das pessoas e torna-las, assim, mais inteligentes. Nascia a Teoria da Reserva de Energia, afirmando que o ser humano conseguia utilizar apenas uma fração de todo o seu potencial!
É sabido que o cérebro funciona mais ou menos como um músculo que ao ser exercitado passa a desempenhar melhor aquela função. Mas isso não significa que o órgão possua locais inativos e à espera de serem “ligados”. Há um verbete a respeito no Wikipédia refutando (através de links de publicações científicas comprovadas) esse mito e provando que o cérebro funciona sempre em sua totalidade.
De acordo com os folcloristas do Snopes, o primeiro a espalhar esse mito nos Estados Unidos foi um anúncio de uma propaganda em uma revista, em 1998, com o slogan:
“Você usa apenas 11% do seu potencial”
Logo em seguida, a rede de TV norte-americana ABC resolveu usar a frase em propagandas para a série “The secret lives of men”, o texto foi alterado para:
“Homens usam apenas 10% do cérebro”
O mito explorado na ficção
O filme Lucy não é o primeiro a usar em seu roteiro o mito dos 10%. Muitas são as obras que exploraram o tema para contar suas histórias.
No cinema, tivemos o Limiteles (“Sem Limite”, 2011), The Machine (“Soldado do Futuro”, 2013) e Transcendence (“A Revolução”, 2014), além de outros.
Charlatões e o mito
Alguns espertões se aproveitam desse mito (até hoje) para ganhar dinheiro com venda de livros e apresentações de palestras caríssimas de auto-ajuda afirmando que é possível, sim, treinar a sua mente para conseguir ativar os 100% de uso cerebral e realizar tarefas sobre-humanas como a telecinesia e a telepatia, por exemplo. Alguns charlatões ainda cobram caro para fazer com que os incautos acreditem poder alcançar o pleno uso das suas massas cinzentas com exercícios mentais, chazinhos milagrosos e talismãs misticos… Tudo enganação!
Especialistas em paranormalidade usam o essa lenda urbana para validar suas teorias de que os 90% do cérebro (que quase ninguém usa, supostamente) guardam poderes psíquicos adormecidos, que podem ser reativados com o devido treinamento. Até o falso paranormal Uri Geller cita o mito na introdução de um de seus livros (como se fosse verdade, claro)!
O que é fato
O fato é que imagens feitas por meio de ressonância magnética e tomografias computadorizadas comprovam que o cérebro está sempre funcionando (todas as áreas) e não há nenhum local escondido que não esteja em funcionamento (mesmo durante o sono).
Além disso, basta apenas uma pequena lesão no cérebro para comprometer alguma função no corpo da vítima. Seria muita falta de sorte alguém conseguir lesionar exatamente alguma área “útil” do cérebro sendo que apenas 10% funcionam, né?
Em entrevista à BBC, o neurocientista Sergio Della Sala explica que o cérebro necessita de muitos recursos, consumindo 20% de todo o oxigênio que respiramos. Seria muito desperdício da natureza manter um ser com um órgão que consuma 20% e funcione com apenas 10% de sua capacidade.
E se utilizássemos realmente apenas 10%?
Vamos supor que fossem removidos os 90% que, supostamente, estariam a toa dentro do nosso crânio, o que aconteceria?
De acordo com a Universidade de Washington:
“O cérebro humano pesa, em média, cerca de 1.400 gramas. Se 90% dele fosse removido, sobrariam cerca de 140 gramas de tecido cerebral, mais ou menos do tamanho do cérebro de uma ovelha. É sabido que o dano causado a uma área relativamente pequena do cérebro, como o que ocorre quando alguém tem um derrame, pode causar deficiências devastadoras. Algumas doenças neurológicas, como o Parkinson, afetam também outras áreas específicas do cérebro. O dano causado por essas doenças é bem menor do que a remoção de 90% do cérebro, é óbvio.”
Conclusão
Já está mais do que provado que não utilizamos apenas 10% do nosso cérebro! O fato é que, apesar dos avanços no estudo da área, parece que 90% é a porcentagem que ainda falta conhecermos sobre esse complexo órgão!