Kaze no Denwa: Existe um telefone criado para falar com os mortos no Japão?
No dia 18 de junho de 2019, o site de notícias “RIC Mais” publicou um curto artigo sobre algo supostamente “paranormal”, que vem ocorrendo no Japão. Foi alegado que os japoneses usavam uma cabine telefônica para falar com os parentes mortos! Testemunhas teriam afirmado, que sentiam sensações inexplicáveis, e cerca de 50 mil visitantes teriam confirmado uma experiência paranormal no local! Incrível, não é mesmo? Estaríamos falando do lugar mais “assombrado” do mundo?
Essa ideia, que na visão do artigo era “um tanto quanto maluca”, teria surgido após a leitura de um livro em que um coelho, uma raposa e um gato usavam uma instalação parecida para falar com seus familiares. Mortos, é claro. Sua construção, no entanto, teria sido obra de um jardineiro de 69 anos, que havia perdido entes queridos. Para completar, ao lado do telefone, no interior da cabine, haveria um caderno onde as pessoas poderiam deixar mensagens aos falecidos e que poderiam ser lidas por quaisquer visitantes.
Entretanto, será isso é realmente verdade? Existe um telefone capaz de se comunicar com os mortos no Japão? Foi realmente inspirado num livro? Os visitantes realmente passam por uma experiência paranormal ao entrarem na cabine? Descubra agora, aqui, no E-Farsas!
Verdadeiro ou Falso?
Embora exista uma cabine telefônica especial e que passou a servir de elo simbólico entre os vivos e os mortos em Otsuchi, obra de um jardineiro aposentado chamado Itaru Sasaki, atualmente com 73 anos, o contexto paranormal ou sobrenatural geralmente inserido é totalmente equivocado. Essa cabine foi originalmente criada em 2010, com um objetivo muito particular: era uma forma de Itaru refletir e meditar sobre a morte do seu primo. Somente após o devastação ocorrida em 2011 é que seu sentido passou a ser mais amplo. De qualquer forma, essa é uma “conversa” unidirecional. O telefone não possui nenhuma linha, não está conectado fisicamente a nada, nunca tocou, e ninguém nunca escutou uma voz sobrenatural ao tirá-lo do gancho.
A cabine também não foi inspirada por qualquer livro infantil, que relatasse tal método para se comunicar com os mortos. Também denominado de “かぜのでんわ” (“Telefone do Vento”), o livro citado foi lançado em 2014, quatro anos após a criação da cabine telefônica. O livro é que inspirado no telefone, não o contrário. E, apesar de haver um caderno ao lado do “Telefone do Vento”, uma espécie de livro de visitas, não há sequer um número oficial de visitantes, quanto mais pessoas alegando que vivenciaram algo paranormal. Alguns sites, no entanto, estimam que mais de 25.000 visitaram o local desde 2011.
A seguir vamos explicar direitinho essa história para vocês para que tudo seja devidamente esclarecido. Para isso utilizarei como base um texto que escrevi anteriormente para um outro blog.
O Tsunami de 11 de Março de 2011
Os cientistas japoneses já tinham previsto que um terremoto pequeno atingiria a região norte de Honshu, a principal ilha do país. Embora houvesse alguns indícios de que poderia ocorrer algo mais grave, não imaginavam que ocorreria um terremoto na costa de Tohoku, tal como aconteceu.
Ainda assim, o sistema de alerta foi eficaz. Um minuto antes do forte tremor atingir Tóquio, os moradores receberam um aviso em seus celulares. Assim sendo, os trens de alta velocidade pararam e as linhas de montagem das fábricas interromperam os serviços. Pode parecer pouco tempo, mas isso permitiu que as pessoas corressem para abrigos seguros, impedindo um número ainda maior de mortes.
Confira abaixo um vídeo mostrando a destruição no porto de Miyako, Prefeitura de Iwate:
A velocidade da maior onda chegou a 700 km/h, quase a velocidade de um avião comercial. Próximo da costa japonesa a velocidade diminuiu, mas em compensação a altura aumentou. Chegou a quase 40 metros de altura em alguns locais. Ao retrocederem, as águas transportaram milhões de toneladas de detritos para o mar. Muitos deles vagaram por mais de dois anos pelo Oceano Pacifico, chegando até as praias de outros continentes.
O Número Oficial de Mortos
A Agência Meteorológica do Japão (JMA) foi criticada por ter subestimado o tamanho que as ondas do tsunami poderiam atingir. O alerta fez com que muitas pessoas ficassem despreocupadas, julgando ser um tsunami de pequenas proporções. O número de mortes poderia ter sido menor, se o alerta tivesse descrito a real proporção do evento. Oficialmente, mais de 15 mil pessoas morreram, mais de 6 mil pessoas ficaram feridas e mais de 2.500 pessoas nunca foram encontradas.
Um Desastre Nuclear Chamado Fukushima
O tsunami acabou gerando uma falha no sistema de refrigeração da Usina Nuclear de Fukushima Daiichi. Isso resultou em um colapso nuclear de categoria 7, um nível comparável apenas a Chernobyl. O desastre nuclear afetou a pesca, a agricultura e a pecuária local. Cerca de 70 mil pessoas que moravam nas proximidades da Central Nuclear de Fukushima foram obrigadas a deixar suas casas, e ir para abrigos temporários para evitar os riscos de uma contaminação radioativa. Milhares ainda permanecem nessas habitações temporárias.
Devido a súbita evacuação da população, muitas cidades em Fukushima foram abandonadas, transformando-se em verdadeiras “cidades fantasmas”.
A Devastação Causada na Cidade Otsuchi
Otsuchi é uma cidade japonesa localizada na província de Iwate. Em 2003, a cidade tinha uma população estimada em 16.727 habitantes.
No dia 11 de março de 2011, a cidade estava protegida por muralha contra tsunamis com cerca de seis metros de altura. Ela tinha sido construída justamente para resguardar o porto, mas não foi suficiente para deter o avanço das águas. A proximidade do epicentro do terremoto, que ocorreu no nordeste da ilha de Honshu, não proporcionou tempo suficiente para muitos habitantes das partes mais baixas buscarem refúgio nas áreas mais altas. Apesar da sinalização de alerta, e dos esforços de resgate, muitas vidas acabaram sendo perdidas.
Confira abaixo o vídeo do momento em que o tsunami chegou a Otsuchi:
Em 31 de agosto de 2011, cerca de 799 moradores da cidade foram oficialmente declarados como mortos, sendo que 608 ainda estavam desaparecidos. Esse número atualmente é de cerca de 400 pessoas. Naquela época, a soma desses números resultava em cerca de 10% da população. No entanto, a devastação foi tão grande, que se cogitou inicialmente, que metade da habitantes tivesse morrido.
Entre os mortos estava o prefeito da cidade, Koki Kato, que tinha sido levado pelas águas durante uma reunião de emergência. A reunião estava sendo realizada na parte externa do edifício do governo local. Seu corpo foi encontrado no dia seguinte a tragédia.
Em fevereiro de 2014, quase três anos após o tsunami, estimava-se que a cidade possuía pouco menos de 12.000 habitantes. Naturalmente, muitas pessoas perderam tudo o que tinham, e decidiram recomeçar em outro lugar. De qualquer forma, Otsuchi foi apenas uma das inúmeras cidades que foram devastadas.
A Cabine Telefônica Especialmente Criada Para se “Comunicar com os Mortos”
Na cidade de Otsuchi existe uma espécie de cabine telefônica de cor branca, com vista para o oceano Pacífico, que conecta as pessoas aos entes queridos, principalmente aqueles se foram em decorrência do tsunami. Essa cabine pertence a um morador local chamado Itaru Sasaki, atualmente com 73 anos. Ele é um jardineiro aposentado, que tinha colocado essa cabine em seu jardim no ano anterior ao tsunami, em 2010, como uma forma de refletir e meditar sobre a morte do seu primo.
Entretanto, após o rastro de destruição deixado pelo tsunami, a notícia sobre o telefone espalhou-se gradualmente. Pessoas de diversas partes do Japão, afetadas pelo tsunami, começaram a visitar o local. Acredita-se que cerca de 10.000 pessoas passaram pela cabine telefônica entre os anos de 2011 e 2014. Não há um número oficial de visitantes, mas alguns sites estimam que, atualmente, o local tenha sido visitado por mais de 25.000 pessoas desde 2011.
As Mensagens ao Vento
Por mais que isso possa parecer estranho para algumas pessoas, aqueles que visitam a cabine telefônica compreendem que a mesma abriga tão somente um antigo telefone com um fio desconectado. Contudo, esse entendimento da realidade não os impedem de conversarem com os entes queridos, contar-lhes sobre o que está acontecendo em suas vidas, como eles estão de saúde, como eles estão se sentindo, como estão fazendo para lidar com a falta deles, e sempre mantendo a esperança que irão se encontrar algum dia.
Embora seja uma conversa unidirecional muito subjetiva e particular, a esperança sempre está presente. As mensagens, ainda que trafeguem por um caminho que não conhecemos, de alguma forma, romanticamente, chegam aos seus entes queridos. No entanto, o grande problema em desejar manter um vínculo com um ente querido, não é algo apenas profundamente compreensível, mas uma proposição complicada.
“Devido ao fato que meus pensamentos não podiam ser transmitidos através de uma linha telefônica regular, quis que eles fossem carregados pelo vento“, disse Itaru Sasaki, durante um documentário exibido em março de 2016 pela NHK.
A Visita do Fotógrafo britânico Alexander McBride Wilson
Em novembro de 2016, o fotógrafo britânico Alexander McBride Wilson ouviu falar das histórias dessas pessoas, que até hoje frequentam essa cabine telefônica, e viajou até Otsuchi para fotografar o chamado “Kaze no Denwa” (“かぜのでんわ”) ou “Telefone do Vento”, assim como as pessoas que o utilizam. Segundo Itaru Sasaki, a cabine não está relacionada a nenhum tipo de religião, mas Alexander chegou a dizer que tinha uma sensação de santuário em relação ao local, visto que as pessoas se pareciam mais com peregrinos.
Enquanto Alexander ajudava Itaru Sasaki a limpar uma estufa, que já havia servido de refúgio em tempos difícies, ambos falaram com a ajuda de tradutores sobre o sofrimento, a frustração e a culpa dos sobreviventes. A cabine telefônica convidava, por assim dizer, as pessoas a trabalharem seus sentimentos mais dolorosos em um espaço considerado seguro e confortável. A compreensível tristeza que se pode sentir é, por um único momento, confinada a um espaço específico e a paisagem ao redor. É uma maneira bem particular de lutar diante de uma tragédia que remodelou toda uma comunidade.
A Explicação Para o Nome “Telefone do Vento”
O fotógrafo Alexander McBride Wilson também contou mais detalhes sobre sua experiência, em uma entrevista para o site Hasselblad. De acordo com Alexander, seu projeto fotográfico girava basicamente em torno de Itaru Sasaki, que tinha perdido seu primo em 2010, devido ao câncer.
Itaru Sasaki estava tentando procurar uma maneira que ele pudesse manter algum tipo de vínculo com seu primo após sua morte e, de uma maneira não muito convencional, ele decidiu construir uma cabine telefônica em seu jardim, onde ele colocou um telefone desconectado, no qual ele usaria para conversar com seu primo. Itaru acreditava que suas palavras seriam levadas até seu primo ao serem carregadas pelo vento, que sopra do litoral. Daí o nome “kaze no denwa” ou “telefone do vento”.
Não há Nada de Sobrenatural ou Paranormal Nessa História
Nas semanas seguintes ao desastre, a notícia sobre uma cabine telefônica, que podia fazer com que as pessoas se reconectassem com os parentes, os mesmos que foram mortos na tragédia, se espalhou gradualmente. Embora os moradores locais estivessem fazendo um ótimo progresso na reconstrução da cidade em si, eles negligenciaram os danos emocionais que tudo aquilo havia lhes causado. Assim sendo, aquela simples cabine telefônica se tornou um meio silencioso e particular de superar a perda dos entes queridos.
Portanto, não há nada do paranormal ou sobrenatural em toda essa história. Aliás, essa tentativa de imputar um mistério, uma comunicação com espíritos não é de hoje. Há canais no YouTube que já exploraram de forma bem sensacionalista esse assunto, assim como o site do jornal argentino “Crónica”, que serviu de base para a questionável versão publicada no “RIC Mais”.
O Livro do “Coelho, da Raposa e do Gato”
Um livro infantil de autoria da escritora Yoko Imoto, inspirado na história do “Telefone do Vento”, foi lançado em 2014. Também denominado de “かぜのでんわ” (“Telefone do Vento”), o livro mostra alguns animais, entre eles um coelho, uma raposa e um gato, que utilizam o “telefone do vento” para se “comunicar” com entes queridos que já se foram. É um livro triste, mas ao mesmo tempo muito bonitinho. Caso queiram comprá-lo ele está disponível na Amazon do Japão.
Confira abaixo esse livro em detalhes (em japonês, mas serve para vocês terem uma noção):
Conforme vocês podem perceber, o livro foi lançado quatro anos após o “Telefone do Vento”, ou seja, o livro só foi possível, porque foi inspirado na cabine telefônica criada por Itaru Sasaki, não o contrário. O próprio Itaru Sasaki tirou uma foto segurando esse livro em 2014.
O Documentário da NHK Chamado “The Phone of the Wind: Whispers to Lost Families”
Acredito que seja interessante destacar o primoroso documentário de pouco mais de 48 minutos, que foi divulgado em março do ano passado pela NHK, em memória aos cinco anos da tragédia que mudou a vida não somente dos japoneses, mas de pessoas em diversas localidades do mundo.
A maior parte consiste na gravação de diálogos (com legendas em inglês), assim como na filmagem à distância das pessoas no interior da cabine telefônica (com a devida permissão das mesmas e do Itaru Sasaki, é claro). Confira esse documentário chamado “The Phone of the Wind: Whispers to Lost Families” (“O Telefone do Vento: Sussurros aos Familiares Perdidos”, em português), em um canal de terceiros, no YouTube:
É impossível não se emocionar ao assistir esse documentário. Confesso que é a segunda vez que escrevo sobre esse assunto, e novamente me emociono.
Logo nos primeiros segundos surge uma frase na tela dizendo:
“Se você estiver por aí, por favor, me escute…“
Então, com apenas 50 segundos de vídeo nos deparamos com um senhor usando o telefone dizendo:
“Olá querida Mine e Issei, gostaria de ouvir vocês dizerem ‘Papai’ apenas uma única vez. Sinto falta de suas vozes“.
Sem Palavras
Pouco tempo depois, vemos uma senhora abrir cuidadosamente a porta da cabine telefônica. A senhora olhou para o horizonte, mas não conseguia falar absolutamente nada. Diante da câmera ela disse que tentou, mas as palavras não tinham sido o suficiente para expressar seu sofrimento.
Sem Distinção de Gênero
Sem distinção de gênero, a cabine telefônica atraía tanto homens quanto mulheres. Então, por volta dos 13 minutos de vídeo, vemos um senhor caminhar lentamente em direção a cabine. Ele abre sua porta, mantendo-a aberta, e disca um determinado número. Inicialmente, esse senhor questiona a si mesmo perguntando se iria conseguir, então ele diz:
“Olá… Noboyuki… Querido, você também está por aí? Cuide da sua mãe e dos seus avós. Querido… Eu voltarei. Querido, eu voltarei. Adeus“.
Posteriormente, esse senhor explicou que perdeu seu filho mais velho naquele fatídico dia de 2011. Ele também mostrou uma foto dele com sua esposa, que faleceu quatro anos após a morte do filho.
“Demorei três anos antes de parar de pensar constantemente em relação ao meu filho. E, justamente quando a vida estava voltando ao normal, perdi minha esposa“, disse o homem.
Ele fez uma pausa e completou:
“Preciso dizer mais alguma coisa?“
Nos Mostre Onde Você Está
Pouco tempo depois, por volta de 15 minutos de vídeo, vemos um outro homem entrando na cabine. Assim como o anterior, ele também disca um número no telefone.
Dessa vez, bem mais rapidamente, ouvimos ele dizer:
“Olá? Amor? Onde você está? Espero que não tenha pegado um resfriado. A vovó e a Miyuki estão com você? Volte correndo para casa. Estamos todos esperando, tá bom?”
“Nos mostre onde você está. Construirei uma casa nesse mesmo lugar. Se alimente direito. Rezo para que esteja viva em algum lugar. Sinto sua falta…“, completou.
Não Consegui Salvá-los
Logo em seguida, ouvimos novamente o som de discagem. É um outro jovem que foi até a cabine para dizer:
“Pai… Mãe… Meu amor, Mine… Issei… Já se passaram cinco anos desde o desastre. Se vocês puderem me ouvir, por favor me escutem. Às vezes não sei a razão de estar vivendo. Issei, por favor… Deixe-me ouvir sua voz dizendo ‘Papai’ novamente. Construí uma casa nova, mas… sem vocês, pai, mãe, Mine e Issei, não tem sentido. Queria ouvir suas vozes, mas não consigo.“
Ele desliga, leva as mãos ao rosto e simplesmente diz:
“Me desculpem. Não consegui salvá-los.“
A História de Ren Kozaki
Em seguida, conhecemos a história de Ren Kozaki, um jovem de 15 anos, morador da cidade de Hachinoche, que fica localizada a 190 km ao norte de Otsuchi. Ele viajou cerca de quatro horas em busca do “Telefone do Vento”. Ele explicou que seu pai, Kazuhiko Kozaki, era caminhoneiro e dirigia por todo o Japão, mas naquele dia seu caminhão foi atingido em Ofunato, uma cidade a 47 km ao sul de Otsuchi. Seu pai nunca mais foi encontrado desde então.
Sua cidade não tinha sido tão afetada pelo tsunami. Ao se deparar com o processo de reconstrução da cidade, ele chegou a ficar espantado, visto que não estava acostumado a ver tal cenário. Então, pouco tempo depois, ouvimos suas palavras:
“Pai… Todos nós estamos fazendo o melhor que podemos. Então, não se preocupe. E quanto a você? Tem uma coisa que eu gostaria de perguntar a você. Por que você teve que morrer? Por quê? Por que eu? Não consigo lidar com isso. Por que justamente eu? Por que isso teve que acontecer comigo?”
“Na escola, quando o assunto é sobre a família, todos tentam ser gentis ao não mencionarem sobre os pais. Eles se importam com os meus sentimentos. Por que nunca consigo encontrá-lo? Onde você está? Não consigo encontrar nada. Mamãe está fazendo o melhor que pode. Ela é que a mais está sofrendo sem tê-lo por perto. Queria falar com você… uma última vez“, completou.
A NHK Acompanhou o Retorno de Ren Kozaki ao seu Lar
A NHK também acompanhou a viagem de volta de Ren Kozaki até sua cidade. Assim sendo, conhecemos a mãe do jovem que, ao chegar em casa, explicou o que era o “telefone do vento” para ela, e que por sua vez se mostrou muito feliz com a experiência que o filho teve. Além de ambos, havia o irmão mais novo Riku, com 12 anos e uma irmã chamada Rin, de 14 anos.
A mãe disse que sempre ao sair de casa, Ren dá um abraço nela. Então, ele explicou que não sabia quando seria a hora dela, e que não podia deixar que ela morresse. Eles não saberiam viver sem ela, tampouco ele tem dinheiro suficiente para sustentar a si próprio. A verdade, segundo a mãe, e que Ren o amava.
Em seguida, vemos o contraste entre Ren e sua irmã Rin, visto que a mesma não conseguia expressar seus sentimentos ou palavras pelo pai que havia falecido, mesmo tendo passado cinco anos após seu desaparecimento. Era possível observar ela sentada, quase sempre de cabeça baixa, sem saber o que dizer diante da câmera.
Uma Esperança no Olhar de uma Criança
Somente na parte final do documentário é mostrado que a família inteira resolveu ir até o “telefone do vento” para expressar suas palavras e seus sentimentos. Aquela era a primeira vez em cinco anos, que todos eles tinham se reunido para falar abertamente sobre o desaparecimento de Kazuhiko Kozaki.
É de partir o coração ouvir a voz da menina, a Rin Kozaki que, chorando compulsivamente, proferiu palavras em uma mistura de raiva, dor e amor pelo pai. E, ao final, quando sua mãe perguntou se ela se sentia melhor, ela disse que sim, abrindo, ainda que rapidamente, um sorriso tão sincero que, com certeza, iluminará seu dia.
O documentário termina de uma forma muito singela ao mostrar imagens da reconstrução da cidade, as habitações temporárias, assim como um garotinho de bochechas rosadas devido ao frio, com uns três ou quatro anos de idade, mas que, feliz diante da câmera, se despede dando um “tchau“.
A última cena é praticamente como começou o documentário, visto que novamente ouvimos uma voz de uma das pessoas que visitaram a cabine telefônica, dizendo que voltaria a ligar… em breve.
Uma Última Observação
Diante de tantos objetos, bugigangas e toda essa parafernália moderna, que se transformou a tentativa de se comunicar com os mortos e das inúmeras pessoas, que se autointitulam das mais diversas formas, para praticar uma verdadeira extorsão contra vítimas inocentes e desoladas, aquela simples cabine telefônica em Otsuchi é um verdadeiro tapa na cara daqueles que cobram fortunas em troca de absolutamente nada e meras palavras vazias.
Mesmo diante de sua dor, Itaru Sasaki ergueu um poderoso instrumento que transcende qualquer tipo de racionalidade. Não há nenhuma autoridade religiosa, não há nenhum suposto médium, clarividente, nada. Existe apenas um bondoso jardineiro e sua crença que nossos entes queridos estão em algum lugar, que talvez estejam esperando pelo nosso contato, e que vale a pena interagir com eles. Estamos tão acostumados com a resiliência japonesa, que nos esquecemos que eles também sangram. Eles sentem dor, choram. A cicatriz deixada, principalmente pelo tsunami, é muito maior do que se imagina. Você entraria naquela cabine? O que você diria? Sinceramente, não sei se conseguiria.
No fim, tudo acaba se tornando um ciclo de reconstrução, não somente dos prédios e casas, mas de vidas que são renovadas, juntamente com a esperança de dias melhores. Talvez esse seja o grande e verdadeiro ensinamento do “Telefone do Vento”.
Conclusão
Embora exista uma cabine telefônica especial e que passou a servir de elo simbólico entre os vivos e os mortos em Otsuchi, obra de um jardineiro aposentado chamado Itaru Sasaki, atualmente com 73 anos, o contexto paranormal ou sobrenatural geralmente inserido é totalmente equivocado. Essa cabine foi originalmente criada em 2010, com um objetivo muito particular: era uma forma de Itaru refletir e meditar sobre a morte do seu primo. Somente após o devastação ocorrida em 2011 é que seu sentido passou a ser mais amplo. De qualquer forma, essa é uma “conversa” unidirecional. O telefone não possui nenhuma linha, não está conectado fisicamente a nada, nunca tocou, e ninguém nunca escutou uma voz sobrenatural ao tirá-lo do gancho.
A cabine telefônica convidava, por assim dizer, as pessoas a trabalharem seus sentimentos mais dolorosos em um espaço considerado seguro e confortável. Um meio silencioso e particular de superar a perda dos entes queridos. Uma obra humana, para lidar com sentimentos humanos e com resultados plenamente humanos. Mesmo que você não saiba inglês ou japonês, recomendo que assista ao documentário da NHK, visto que você entenderá a dor de cada uma daquelas pessoas.
Ela também não foi inspirada por qualquer livro infantil, que relatasse tal método para se comunicar com os mortos. Também denominado de “かぜのでんわ” (“Telefone do Vento”), o livro citado foi lançado em 2014, quatro anos após a criação da cabine telefônica. O livro é que inspirado no telefone, não o contrário. E, apesar de haver um caderno ao lado do “Telefone do Vento”, uma espécie de livro de visitas, não há sequer um número oficial de visitantes, quanto mais pessoas alegando que vivenciaram algo paranormal. Alguns sites, no entanto, estimam que mais de 25.000 visitaram o local desde 2011.