Correntes
Leite de alpiste cura diabetes e inúmeras outras doenças! Será?
Apresentação de PowerPoint que circula pela web afirma que o consumo do leite de alpiste traz muitos benefícios à saúde incluindo a cura definitiva do diabetes. Mas será que isso é verdade? Dá uma olhada no PowerPoint clicando aí embaixo:
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O alpiste (Phalaris canariensis) é uma planta cultivada pelo homem há tempos e sua semente é um dos principais alimentos para pássaros em cativeiro. Mas será que tudo que é dito na apresentação a respeito do alpiste é real?
Aqui no Brasil essa história apareceu em 2012, mas encontramos versões em outras línguas em postagens anteriores a 2007. Sites e sites elogiando os poderes anti-inflamatórios da semente.
O primeiro parágrafo do texto afirma:
“Recentemente cientistas investigadores da Universidade Nacional Autônoma do México analisaram o grande poder alimentício do alpiste, devido aos grandes benefícios que acarreta às aves.”
A maioria dos textos falsos que rondam a web cita nomes de instituições e/ou profissionais de renome para conseguir mais credibilidade ao que está tentando se passar. Procuramos por estudos nessa área nos sites de universidades mexicanas e… Adivinhem: Nada encontrado.
Para que não fiquem achando que não procuramos direito, segue a lista de sites que usamos em nossas pesquisas:
- Jornal da Universidade do México
- Scientific Electronic Library
- Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM)
- Unidade de Documentação Científica (FES Iztacala)
- Instituto Latino-Americano da Comunicação Educativa
- Biblioteca Digital da UNAM
- Boletim do Instituto de Pesquisas Biomédicas da UNAM
- Publicações Catálogo UNAM Histórico
- Digital Medical Library, Faculdade de Medicina da UNAM Dela
- Instituto de Biotecnologia, UNAM
- Instituto de Engenharia da UNAM
- Jornal La Jornada
- Direção Geral de Publicações e Desenvolvimento Editorial.
Caso algum estudo a respeito do uso medicinal do alpiste tivesse sido feito na universidade citada, certamente encontraríamos algo a respeito em algum desses sites.
Outro detalhe interessante de se notar é que o autor (que não assina o texto) afirma que os estudos foram feitos recentemente. Como podemos ver nesse link, desde antes de 2009, já existia a história. Portanto, não é tão recente assim…
Como já mostramos várias vezes aqui no E-farsas, a grande maioria dos textos falsos que circulam pela web não são datados. Dessa forma, quem recebe a história pela primeira vez acredita que o assunto é recente e acaba passando-a adiante.
O próximo slide diz:
“E depois de muitas experiências baseadas em método científico descobriram que o alpiste possui uma proteína incrivelmente poderosa, a qual tem seus aminoácidos estáveis o que induz a uma maior eficiência alimentícia no organismo.”
Nem vamos questionar aqui quais foram os “métodos científicos” utilizados e tampouco temos como saber como foi que o autor teve acesso a esse estudo, já que não há nenhum link provando a origem desse “estudo”.
Pra não dizer que não encontramos absolutamente nada a respeito, achamos na Biblioteca da Medicina Tradicional Mexicana uma menção à planta que, traduzindo, diz que:
“[…] que não detectamos uma história de uso medicinal ou química ou estudos farmacológicos para apoiar a sua eficácia.”
Quanto às proteínas, de fato, o alpiste possui várias delas. Essa parte do texto é real. Mas é preciso que fique bem claro aqui que apesar de haver proteínas nessa planta, ela não contém quantidade muito maior do que as encontradas em outras sementes como o trigo, milho, ervilha etc. Possui bastante, mas nada assim… Extraordinário.
Alguns estudos como esse e esse afirmam que o alpiste possui em média 18% de proteínas contra os 15% do trigo. Realmente, um pouco a mais.
Mais adiante, a apresentação de PowerPoint afirma:
“Um copo de leite enzimático de alpiste tem mais proteína que dois ou três kilos de carne mas com aminoácidos estáveis, isto é, que viajam de uma maneira segura e indestrutível até o nosso organismo.”
O autor do texto não soube explicar qual o cálculo usado para se chegar a esse resultado, por isso resolvemos abstrair um pouco e fazer nossas próprias suposições. Vejamos abaixo uma tabela com a quantidade média de proteína presente em alguns tipos de alimentos tendo como base 100g:
Como podemos notar na tabela acima, seria preciso um copo de mais de 4 litros de leite de alpiste para alcançarmos os 3 quilos (o correto é “quilos” e não “kilos” como escrito no PowerPoint) de carne.
Não estamos aqui defendendo o consumo de carne. Só queremos mostrar que não devemos mudar nossa alimentação baseando apenas em um texto apócrifo e cheio de falhas e erros que circula pela web.
Nos próximos slides, temos:
“As enzimas que o alpiste proporciona têm um imenso poder para desinflamar nossos órgãos, especialmente o fígado, os rins e o pâncreas, o que torna o alpiste um fabuloso regenerador pancreático, isto é, acaba com a diabete em poucas semanas, elimina também a cirrose ao aumentar o controle de hepatócitos do fígado e de passagem, claro, o desinflama, recarrega os rins de enzimas, favorecendo uma saudável diurese que elimina o excesso de líquidos no corpo, por isso o alpiste é um lutador incansável contra a hipertensão[…]”
Gostaríamos que tudo isso fosse verdade! No entanto, é bom avisarmos que a maioria das enzimas e proteínas é decomposta no estômago com a ajuda do suco gástrico. É ali que o corpo os converte em componentes básicos pra gerar as substâncias que nosso organismo usará para continuar funcionando. As enzimas que necessitamos no nosso dia-a-dia (com exceção da enzima lactase) são produzidas por diversos órgãos e glândulas do nosso próprio corpo.
Infelizmente, não encontramos nada que comprove a eficácia do consumo do leite de alpiste no combate à diabetes ou às demais doenças citadas no texto.
Nesse link, a dra Susan Throp explica que não há nenhuma comprovação de que a semente de alpiste realmente cure a diabetes.
No entanto, alguns estudos comprovam que o uso da Phalaris canariensis pode interferir na pressão arterial. Mas, calma! Cada organismo reage de uma forma. O que funciona pra uma pessoa pode não funcionar para outra! É bom também ficar esperto com a superdosagem, pois o consumo exagerado do leite de alpiste pode afetar a pressão!
A seguir, temos:
“Como consumi-lo: apenas deixar de molho cinco colheres de alpiste à noite e pela manhã eliminar a água em que ficou de molho, por as cinco colheres de alpiste embebido no liquidificador, enchê-lo com água pura e bater, o resultado será um leite bem espumoso de suave sabor que é basicamente uma injeção a favor da saúde máxima e da forma desejável do corpo,[…]”
Aqui, o autor tomou um cuidado interessante: algumas sementes possuem pelos ou espículas silicosas na natureza e, de acordo com vários estudos (aqui, por exemplo) esses pelos podem ser irritantes à pele e até cancerígenos! Talvez, ao deixar as sementes de molho, o autor está tentando mostrar como retirar tais pelos.
Quase nos últimos slides:
“Nunca acrescente nem fruta nem açúcar, isto está proibido pois o açúcar refinado é um veneno que mata as enzimas e tudo que é bom dos alimentos, já que é muito ácido e nada vivo sobrevive na acidez do açúcar refinado.”
As enzimas não podem morrer pelo simples fato de que não estão vivas. As enzimas são, na sua maioria, compostos de proteínas formadas por uma quantidade variável de aminoácidos. Talvez o autor tenha inserido a palavra “mata” no slide apenas para usar um termo mais popular ao seu texto.
Para finalizar, a apresentação de PowerPoint repete alguns benefícios da ingestão do leite de alpiste e, como toda boa corrente que se preze, pede para ser repassada.
Perigo da automedicação
Assim como não estamos fazendo campanha pró-carne, também não estamos apoiando a indústria farmacêutica. Há inúmeros estudos apontando que o uso da medicina popular ajuda na recuperação de pacientes, mas é bom frisar (de novo!) que não se deve deixar o tratamento convencional e se apoiar apenas nos chazinhos e leitinhos.
Faça como o E-farsas: Desconfie de tratamentos milagrosos que você encontra na internet. Já mostramos aqui em diversas ocasiões muitas correntes que andam espalhando por aí com promessas de cura para doenças graves como o câncer. A grande maioria dessas histórias é como a mostrada nesse post:
- Não possui autor
- São escritas sem data
- Citam nomes de pessoas ou de instituições respeitosas
- Possuem um tom conspiratório (somente quem recebeu o e-mail possui a informação valiosa)
- Tratam de um assunto que atrai a atenção do leitor (no caso, a cura para doenças)
- Pedem para ser compartilhado
Conclusão
O leite de alpiste possui algumas das propriedades relatadas no texto. Possui proteínas (não tanto como relatado, apenas 18%) e possui aminoácidos e vitaminas. Estudos em andamento sugerem que a planta possa vir a ajudar aos hipertensos. No entanto, aqui vai a dica de ouro: NUNCA, nunca deixe o tratamento convencional. Tente tratamentos milagrosos alternativos de autores desconhecidos que você viu em um PowerPoint apócrifo, mas NUNCA abandone o tratamento convencional. NÃO BRINQUE COM A SUA SAÚDE.
Sites citados
- Benefícios do alpiste (2009)
- Biblioteca da Medicina Tradicional Mexicana
- Ienica – Estudo sobre o Alpiste
- Australian Fife Canary
- Composição química da carne (PDF)
- Semente de alpiste cura diabetes?
- Alpiste na diminuição da pressão arterial
- Enzimas
- Uso de plantas medicinais em descendente africanos no Brasil