Falso
Milagre: Papa faz sangue de santo liquefazer!
É verdade que o papa Francisco fez o milagre de transformar o sangue coagulado de São Januário em liquido durante uma cerimônia na Itália?
A notícia se espalhou em vários jornais online na terceira semana de março de 2015, além de ser compartilhada inúmeras vezes nas redes sociais. De acordo com a reportagem, o papa Francisco teria conseguido reproduzir o milagre de São Januário, fazendo com que o sangue sólido do santo da Igreja Católica voltasse a ser liquido novamente!
O milagre teria ocorrido em Nápoles (Itália), durante a festa de São Januário, padroeiro da cidade, no dia 21 de março de 2015 e, conforme publicado, não ocorria desde 1848.
Será que isso é verdade mesmo?
Verdadeiro ou falso?
De fato, o papa Francisco celebrou uma missa em Nápoles, no dia 21 de março de 2015 – uma das épocas do ano em que os devotos fazem festas em homenagem a São Januário – e fez com que o conteúdo da ampola virasse liquido (ou meio-líquido). Mas não se trata de nenhum milagre!
Aliás, o papa Francisco – bem humorado como sempre – quando percebeu que apenas metade do conteúdo do relicário se liquidificou, disse aos fiéis:
“O bispo disse que o sangue foi dissolvido pela metade, isso significa que é preciso uma boa metade para sermos melhores. Nós temos que ser melhores e converter-nos (mais) ainda “
Milagre explicado pela ciência
Acredita-se que o sangue – que fica guardado a sete chaves em um cofre na Catedral de Nápoles – se liquefaça milagrosamente duas vezes por ano: na festa em 19 de setembro, e no primeiro sábado de maio. Exatamente nessas ocasiões, uma ampola, que muitos acreditam conter o sangue seco do santo, é levada em procissão pelas ruas da cidade.
O povo local acredita que quando o conteúdo dessa ampola não se liquefaz durante essas festas, talvez isso seja um aviso de que alguma catástrofe está para ocorrer!
Conforme explicado aqui, O ritual costumava ser realizado no dia 16 de dezembro, mas a ocorrência da liquefação era muito rara nessas ocasiões, aparentemente devido às temperaturas mais baixas, por isso, e esse costume foi descontinuado e as datas das festividades mudaram para dias com as temperaturas um pouco mais altas.
Muitos jornalistas atribuíram o “milagre” ao papa Francisco e ainda afirmaram que isso não ocorre desde 1848, no entanto, há vários relatos de que o “sangue” de São Januário tenha virado liquido em outras ocasiões, como em 2012, por exemplo. O que virou notícia foi que isso não ocorria nas mãos de um papa há mais de um século (o último papa a reproduzir o feito foi o Pio XI, em 1848).
O fato é até a Igreja prefere se posicionar neutra em relação a esse suposto milagre e é cautelosa ao afirmar que não se trata de milagre, mas de um “evento milagroso”. Apesar dos cientistas nunca terem sido autorizados a retirar uma amostra da ampola (o que acabaria de vez – ou não – com o mistério), em 2009 foram feitos testes espectroscópicos no líquido.
Com os resultados dessas análises, John F. Fischer e Joe Nickell recriaram algo semelhante ao que seria o suposto sangue do santo, usando cera de abelha derretida em azeite colorido com pigmento vermelho (ingredientes que já eram bem conhecidos na época em que o “sangue” apareceu). A mistura criada pelo dupla de cientistas se comporta da mesma maneira: Era sólida quando ficava em repouso e se liquidificava com apenas um pouco de calor (ajudado pelo agitar do recipiente). O nome dessa propriedade é tixotropia e podemos ver isso ocorrendo em piscinas de água com amido de milho:
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Estudos anteriores
Em 1991, uma equipe de cientistas Italianos conduziu uma série de experimentos, mostrando que os químicos medievais poderiam facilmente ter criado a imitação sangue que teriam as mesmas propriedades do sangue de Nápoles.
O estudo foi publicado na prestigiada revista científica britânica Nature por um grupo liderado pelo Dr. Luigi Garlaschelli, químico da Universidade de Pavia (Itália). Eles também concluíram que a liquefação do sangue pode ser explicada pela tixotropia. Parte do ritual da verificação do sangue milagroso de São Januário consiste em inverter a posição do relicário onde está lacrada a mistura sólida, e esse simples movimento já é suficiente para liquefazer certos géis tixotrópicos.
Em laboratório, a equipe Italiana preparou uma imitação do sangue usando uma solução de cloreto férrico e carbonato de cálcio. E em outra experiência feita no mesmo estudo, os cientistas trataram materiais extraídos das tripas de animais com óxido de ferro e cloreto de sódio e chegaram a um gel acastanhado, que coagulado quando fica em repouso e se liquefazia facilmente ao mais suave movimento.
Mais estudos sobre o sangue de São Januário podem ser lidos aqui, aqui, aqui também e aqui.
Conclusão
Cada um tem a sua fé (ou a falta dela) e não estamos aqui para criticar ou questionar a crença de ninguém, mas é preciso explicar que um fenômeno não pode ser considerado milagre quando há explicação científica para aquilo. O papa esteve mesmo em uma cerimônia em Nápoles e fez o ritual de liquefação do conteúdo de um relicário considerado sagrado por muitos, mas apesar de vários jornais afirmarem que o papa fez um milagre, a própria Igreja prefere não se posicionar quanto a isso e prefere chamar o fato de um “evento milagroso”.